Crítica


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Sinopse

Indiana Jones está idoso e passando por problemas pessoais. Eis que um grupo de remanescentes do nazismo atravessa novamente o seu caminho. Na companhia de sua afilhada, Indy terá de novamente salvar o dia.

Crítica

Depois do longo prólogo no qual Indiana Jones (Harrison Ford rejuvenescido com a ajuda de CGI convincente) luta contra nazistas por tesouros de valor histórico incalculável (um clássico), a trama chega ao fim dos anos 1960. E nos deparamos com o protagonista idoso. Indy não é mais o aventureiro sagaz de antes, conforme nos sugere a sua rotina feita de acordar sozinho, ter certa dificuldade ao sair da cama e, adiante, chegar à universidade a fim de lecionar aos alunos desinteressados. Abraçando o privilégio de ser o primeiro diretor de um filme da Saga Indiana Jones além de Steven Spielberg, James Mangold prepara o terreno à típica jornada de um herói obsoleto, aquele cujo tempo de glórias ficou no passado – como aconteceu com James Bond em 007 Operação Skyfall (2012). Se até os ícones envelhecem, o que diremos de nós, reles mortais? Acrescente ao peso da idade que recai sobre os ombros do arqueólogo mais famoso do cinema a tristeza proveniente do luto e da separação de sua doce Marion (Karen Allen). Portanto, tudo pronto para uma abordagem crepuscular de Indy, algo semelhante ao cowboy de Clint Eastwood em Os Imperdoáveis (1992), o matador que ressurge da aposentadoria para a última missão na qual o saldo será constatar que o mundo mudou. No entanto, essas expectativas sobre o ponto de vista pesaroso são frustradas pelo desenvolvimento de Indiana Jones e a Relíquia do Destino.

Você já imaginou um filme protagonizado por Indiana Jones ser morno e, às vezes, sonolento? Pois é exatamente isso o que acontece em Indiana Jones e a Relíquia do Destino, produção que mira em diversos alvos, mas cuja displicência para cozinhar os temas resulta numa jornada que podemos considerar até preguiçosa. Quem surge do nada para tirar Indiana do ócio forçado pelo duo idade/melancolia é sua afilhada Helena (Phoebe Waller-Bridge). Tão afiada e apaixonada por História quanto o protagonista nos tempos áureos, ela representa o contraponto da juventude impetuosa à velhice inevitável do padrinho – homem que funciona como figura paterna substitutiva com a qual ela deve se reconciliar para ter um final feliz. Ambos são tragados ao redemoinho gerado pela obsessão de remanescentes do nazismo: encontrar o Mostrador de Arquimedes, também conhecido como Anticítera. Assim como a Arca da Aliança em Indiana Jones e Os Caçadores da Arca Perdida (1981), o mecanismo é um McGuffin, ou seja, um objeto que serve como motivador da trama. Mais importante do que o jogo de gato e rato com a horda nazista é o que percebemos a partir das etapas previsíveis da caçada ao tesouro. Coisas como traição, ética, disposição ao sacrifício, egoísmo, altruísmo, etc. Quanto ao vilão da vez, o nazista de Mads Mikkelsen se junta burocraticamente à galeria dos antagonistas de Indy.

Indiana Jones e a Relíquia do Destino mistura ação genérica (muito dela feita em pós-produção), algumas piscadas aos fãs mais dedicados das deliciosas peripécias de Harrison Ford munido de chapéu e chicote, bem como alusões à possível passagem de bastão que nunca é assumida efetivamente como possibilidade real. Em Indiana Jones e O Reino da Caveira de Cristal (2008), houve o teste de Shia LaBeouf como provável sucessor de Ford, mas o insucesso do filme atrelado às controvérsias da vida pessoal do ator colocaram uma pá de cal nessa intenção. Desta vez, é a excelente Phoebe Waller-Bridge (de Fleabag, 2016-2019) surgindo como alguém que poderia perfeitamente continuar esse legado. Porém, a impressão que fica é a da hesitação. Sim, pois Helena reúne todos os atributos para, quem sabe um dia, assumir o posto de Indy. Afinal de contas, é intrépida, sagaz e arqueóloga. No entanto, parece que os criadores estão sempre cheios de dedos quanto a enxerga-la como herdeira, ainda que ensaiem constantemente isso. O resultado dessa incerteza é que Helena nem bem é uma figura de apoio (logístico, emocional, psicológico, etc.) extremamente relevante e tampouco possui autonomia suficiente para tranquilizar Indiana Jones sobre a aposentadoria. Voltando às diversas cenas de ação em CGI e claramente feitas em estúdio com fundo verde, elas comprometem a intensidade da aventura por conta da incômoda sensação de artificialidade. Que saudades da boa e velha ação ao vivo.

Em certos instantes, James Mangold confunde reverência com subserviência, sobretudo nas tentativas de emular o estilo de Steven Spielberg na direção, mas falhando justamente no quesito injeção de ânimo e páthos. Falta empolgação e paixão ao quinto longa-metragem da Saga Indiana Jones, algo observável também em certos desperdícios ainda não mencionados neste texto. Um deles diz respeito à troca de relíquia no prólogo: sai a lança Longinus, a que perfurou o corpo de Jesus Cristo na cruz, e entra a Anticítera do matemático Arquimedes. Dessa forma, a mudança é de um artefato supostamente como poderes místicos/religiosos para outro que representa a primazia da ciência. E o que o realizador faz com essa troca simbólica de elementos? Basicamente, nada. Harrison Ford merece todos os aplausos por continuar as estripulias de Indy aos 80 anos – evidentemente, o filme precisa de malabarismos (dublês, CGI e truques de câmera) para Indiana Jones seguir fazendo das suas na telona. A obsolescência, a tristeza e as dores da velhice abrem a possibilidade de termos em cena um protagonista do tipo resmungão teimoso, mas absolutamente fundamental à missão. Contudo, Mangold, mais uma vez, fica no meio do caminho, ora parecendo que vai abraçar essa perspectiva com veemência, ora regredindo ao ponto de ainda tentar justificar Indiana como um notável acrobata. O resultado é ainda mais irregular do que o visto em Indiana Jones e O Reino da Caveira de Cristal.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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