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Sinopse

Na cidade de Ohio, um chinês bilionário aproveita um terreno abandonado da General Motors para fundar sua empresa, com a intenção de realizar uma grande mudança no cenário norte-americano. Com a contratação de mais de dois mil trabalhadores para as construções, as perspectivas se amplificam.

Crítica

A notícia, em si, nada tem de novo: uma gigantesca usina vai à falência, deixando milhares de funcionários desempregados numa cidadezinha. A solução seria o investimento de capital estrangeiro para revitalizar o negócio. O diferencial, no caso, se encontra no fato de a economia em colapso ser a norte-americana, precisando da aquisição de uma gigantesca corporação chinesa para se reerguer. De repente, os habitantes de uma América Profunda se veem submissos à ordem de um bilionário chinês das empresas Fuyao, produtor de peças de vidro para automóveis. Dos US$29 dólares recebidos por hora antigamente, na General Motors, os novos funcionários ganham US$12 sob nova gestão. Mas é melhor ter um trabalho ruim do que trabalho nenhum, certo?

Indústria Americana questiona tanto o choque ideológico entre China e Estados Unidos quanto a nossa percepção valorativa do trabalho. Já dizia a filosofia política que comunismo e liberalismo se unem principalmente no valor não apenas econômico, mas também moral, atribuído ao trabalho. Ao contrário de anarquistas, por exemplo, marxistas e liberalistas associam à atividade produtiva seja a possibilidade de transformações sociais, para os primeiros, seja a garantia de multiplicação de riquezas, para os segundos. Talvez o modelo dos primeiros esteja nos operários, enquanto o segundo idealize os patrões, mas em ambos os casos, “a razão de viver é trabalhar”, como explica o CEO da Fuyao ao longo do documentário. Quanto mais tempo gasta dentro da usina, mais nobre se torna este homem, ao passo que um desempregado é percebido como um homem fraco, emasculado.

Ora, como capitalizar esta valoração simbólica se os operários passam o dia presos na usina, ganhando pouco, exaustos e às vezes machucados, sem conseguirem ver as próprias famílias? Partindo das diferenças brutais entre os dois modos de pensar, o filme acaba por salientar uma tendência comum aos dois, seja no capitalismo voraz norte-americano, seja no socialismo de mercado chinês: a precarização dos modos de trabalho, a exploração sobre-humana dos empregados, a busca pelo lucro a qualquer preço, em outras palavras, a desumanização do processo produtivo. Os diretores Steven Bognar e Julia Reichert possuem ótimo olhar de cronistas para perceber as hipocrisias e abusos silenciosos nas relações entre patrões e funcionários. Seja os letreiros da empresa com erros de inglês, encomendados pelos chineses, seja um pedaço de vidro que estoura durante uma demonstração no controle de qualidade, a narrativa revela o avesso do sonho vendido pelas multinacionais. A Fuyao afirma não ter condições de fornecer salários decentes aos trabalhadores, mas investe US$1 milhão na tentativa de impedir a sindicalização dos operários, enquanto oferece viagens a Xangai como recompensa aos bons trabalhadores.

Se por um lado os cineastas exploram muito bem o cinismo dos discursos oficiais e o espetáculo que cerca as altas esferas do poder (os shows oferecidos ao chefe, as inaugurações repletas de pompa e elogios), por outro lado, não impede que o olhar estrangeiro beire o maniqueísmo: a cultura oriental é observada de maneira um tanto caricatural, focando-se sobretudo nos excessos, enquanto os dirigentes capitalistas norte-americanos ganham direito a um mea culpa no final em relação ao modo como tratam seus trabalhadores. “Se trabalhar nos Estados Unidos é difícil, trabalhar na China é muito pior”, parece ser o discurso lançado pelo projeto, o que pode ser interpretado tanto enquanto crítica de ambos os modelos, quanto de uma certa forma de conformismo do tipo “pelo menos, o nosso modelo funciona um pouco melhor”. É louvável que os cineastas se posicionem ao lado dos trabalhadores, tanto norte-americanos quanto chineses, no entanto, o discurso nunca consegue analisar a origem desta relação predatória, nem mesmo conceber maneiras de romper com a mesma.

Esteticamente, Indústria Americana apresenta imagens muito bem enquadradas, iluminadas e montadas. Os grandes espaços vazios das usinas são bem explorados, assim como o silêncio dos funcionários diante do encorajamento protocolar dos chefes. O ponto de vista crítico é transmitido sem frases de efeito nem verbalizações: as imagens traduzem, por si só, os abismos que separam teoria e prática, marketing e cotidiano para os trabalhadores da Fuyao. Entretanto, o documentário ainda se apoia em ferramentas de linguagem gastas, e muito comuns em produções deste porte elaboradas por Netflix e HBO: o excesso de trilha sonora, dizendo exatamente quando nos indignar, quando nos sentir tristes etc. Se já se compreendeu que este tipo de pedagogia empobrece a linguagem da comédia (vide os risos das sitcoms antigas, acrescentados em pós-produção), do drama (é muito fácil fazer o espectador se emocionar com sons de orquestra) ou terror (efeitos sonoros constituem a maneira mais fácil de provocar sustos), o mesmo deveria ser aplicado à leitura dos documentários.

No entanto, o filme abusa da trilha sonora jocosa nos momentos irônicos, e adiciona uma orquestra rumo ao clímax, enquanto um operário efetua um discurso inspirador aos colegas. Além disso, os diretores guardam literalmente para os últimos minutos a menção à automatização do trabalho, roubando vagas de funcionários da Fuyao. O tópico possui tamanha importância que seu acréscimo nos instantes finais soa como um pensamento posterior, uma tentativa de remediar a falta de debate a respeito nos 110 minutos precedentes. O encerramento anticlimático serve como sintoma de uma produção bem-intencionada, dispondo de muitos recursos e ótimas imagens, porém pouco assertiva em sua investigação sociopolítica. A dupla transmite muito bem a ideia de que o trabalho não significa mais qualidade de vida: diversos trabalhadores multiplicam os cargos, porém mal conseguem pagar o aluguel. No entanto, falta dar um passo atrás e se questionar sobre o mecanismo que permite esta forma crescente de exploração.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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