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Sinopse

Em 1918, um garoto americano passa a morar na França, já que seu pai foi convidado pelo governo americano a trabalhar na criação do Tratado de Versalhes. O que este jovem descobre é o nascimento de uma ideia assustadora, que se transformaria na ideologia fascista.

Crítica

A música nervosa de A Infância de um Líder é tão impactante e narrativamente reveladora quanto os silêncios, os gritos e os olhares do garoto Prescott (Tom Sweet), enfant terrible norte-americano que vive na França com sua mãe (Bérénice Bejo), de origem germânica, e seu pai (Liam Cunningham), diplomata dos Estados Unidos encarregado do Tratado de Versailles. No filme de Brady Corbet, o desenho de som e as atuações do elenco dinamizam uma narrativa esteticamente bela e discursivamente contundente, na qual Corbet ficcionaliza o efervescente período entreguerras para contextualizar o domínio de um menino tirano sobre sua família disfuncional. Em paralelo às convulsões nazifascistas que levariam à Segunda Guerra Mundial, o longa acompanha a primavera sombria de Prescott para refletir sobre o surgimento de lideranças nefastas que comandaram vastas regiões europeias há quase um século.

No fim da Grande Guerra, a Europa tenta se reerguer da destruição enquanto sentimentos radicais nacionalistas começam a se movimentar em diversas áreas, especialmente em uma Alemanha humilhada pelo acordo pós-conflito. Nos arredores de Paris, instalado em uma grande e decadente residência de campo, em 1918, Prescott cresce esquecido pelo pai insensível e normatizado pela mãe, uma religiosa incapaz de estabelecer afeto e comunicação com o filho.

Introspectivo e autêntico, Prescott apresenta desde cedo uma visão crítica sobre sua família e o mundo. Com ironia, provoca enfrentamentos, causa constrangimentos e pratica agressões. Desvinculado dos pais, o garoto ganha atenção e carinho apenas da empregada (Yolande Moreau) e da professora de francês (Stacy Martin) – a quem, apesar da proximidade amigável, também é capaz de coagir. A partida de ambas amplia o isolamento e a sociopatia de Prescott, reforçando sua tendência a confrontos e desavenças.

O pequeno ator Tom Sweet dá a Prescott traços de um príncipe maquiavélico com olhares frios, tons de voz ameaçadores e comportamento traiçoeiro, típico dos que entendem que os fins justificam os meios. Seu personagem irascível é um pequeno estadista egocêntrico, farsesco e autoritário. Tendo os pais na palma da mão, articula para impor suas vontades e insatisfações em um lar esvaziado de autoridade. Em seu território, o menino impera tiranizando relações, tocando o terror e fingindo colapsos para, assim, evitar culpas e punições. Pós-verdade mirim.

O levante de Prescott contra pai e mãe resulta no sequestro do poder familiar e na opressão dele sobre o casal, sendo este um paralelo dramático ao próprio surgimento do nacionalismo extremo em sociedades que vieram a permitir governos totalitários na década de 1930. Radicalizado desde a infância, o garoto cresce no contexto totalizante do entreguerras, vivendo um espírito do tempo genocida que viria a ser incorporado no Holocausto durante a Segunda Guerra.

Adulto, Prescott (agora Robert Pattinson) torna-se um líder carismático à frente de uma máquina burocrática autoritária e ameaçadora, ampliando seu domínio da escala domiciliar para o plano transnacional. A direção de arte e a fotografia trabalham juntas para compor o clima tenso do nazifascismo nesta bela e densa sequência final do filme, o qual foi dividido em partes que Corbet chamou de Tantrum ("petulância" em latim; "furor" ou "acesso de raiva" em inglês).

Com texto mínimo e certeiro, lentas e requintadas movimentações de câmera, luz barroca ressaltando pontos de claridade em meio ao breu que toma espaços cênicos, e com uma cartela de cores variando entre cinzas, verdes e ocres, o clima de mistério em A Infância de um Líder é constante. O suspense cresce com a música visceral de Scott Walker, fundada em violoncelos, violinos e trompetes que se unem em uma fanfarra dos infernos digna da arquitetura da destruição. A catarse se completa com a dualidade dos planos da cena final, que varia entre o enquadramento austero do fascismo institucionalizado e a vertigem imagética que toma conta do longa quando o rosto do líder é revelado.

Inspirados pelas obras "Paris 1919: Six months that changed the world", de Margaret MacMillan, e "L'Enfance d'un chef", de Jean-Paul Sartre, os autores Corbet e Mona Fastvold dão pistas de ordem psicológica, sociológica e histórica sobre como pequenos tiranos se transformam em grandes ditadores, controlando populações fragilizadas ao promover o culto à personalidade. Afinal, demagogia e coerção emocional são instrumentos corriqueiros entre autocratas abjetos, inclusive aqueles que hoje se sentem confortáveis em mostrar a face acima e abaixo do Equador.

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é jornalista, doutorando em Comunicação e Informação. Pesquisador de cinema, semiótica da cultura e imaginário antropológico, atuou no Grupo RBS, no Portal Terra e na Editora Abril. É integrante da ACCIRS - Associação dos Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul.
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CríticoNota
Danilo Fantinel
10
Francisco Carbone
8
MÉDIA
9

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