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Crítica


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Sinopse

Em liberdade condicional, um homem volta à sua terra natal para investigar o misterioso assassinato de seu irmão. Ele precisa enfrentar a animosidade de sua mãe e, rapidamente, a ameaça de homens que colocam todos em risco.

Crítica

O protagonista de Instinto Assassino é considerado um pária por conta do distúrbio mental que lhe torna indiferente ao sofrimento dos outros. D. (Scott Eastwood) está em liberdade condicional, visitando semanalmente um psiquiatra e sendo medicado. Mesmo assim, continua afastado da família, com a qual volta a ter contato apenas após a morte repentina de seu irmão que morava isolado numa ilha. O cineasta David Hackl opta pela ação em detrimento do drama familiar. Ele prefere investir num genérico jogo de gato e rato do que investigar as ações, as conveniências, as tentativas de adequação e as mágoas resistentes por conta da natureza hedionda de crimes cometidos no passado. A abordagem é determinante para esse resultado superficial que não apresenta sequer um mísero par de situações empolgantes e/ou memoráveis. A própria inversão de expectativas quanto a quem atraiu os bandidos para a ilha tampouco é funcional. A adesão da trama aos lugares-comuns desse tipo de filme é tamanha que prepara o caminho justamente para a “surpresa”. Claro que todo mundo supõe que D. é novamente responsável por colocar a família em risco. Quem suspeitaria do doutor, do pai, do irmão morto que sempre parece ter feito a coisa certa? A disparidade é tão acentuada que fica claro o que vai acontecer. No meio disso, o realizador nem presta atenção à clara hipocrisia dos parentes.

Instinto Assassino é um filme de ação que contém dramas familiares, não um drama familiar emoldurado pela ação. E essa perspectiva faz toda a diferença. Se partisse das questões envolvendo os que cercam o filho pródigo, o filme precisaria encarar (e até desenvolver algo sobre) a forma como D. é recebido inicialmente na ilha, sobretudo por sua mãe magoada. Dizendo-se cansada de aturar o rastro de tragédias deixadas no passado pelo caçula, Linda (Brenda Bazinet) trata o filho como se ele fosse um animal perigoso entrando em sua propriedade. O filme não oferece subsídios para compreendermos a profundidade dessa força repelente que faz uma mãe se referir desse modo ao filho. David Hackl simplesmente mostra a mulher traumatizada como alguém que não dá uma segunda chance para D., também nisso chegando muito próximo do maniqueísmo. No entanto, adiante, quando os assassinos colocam em grave risco todos os que estão na ilha, ela receberá como prova de que estava errada a conveniência de confiar na ovelha negra capaz de se transformar em herói. Portanto, de certa forma, D. recebe autorização da mãe para ser brutal desde que isso salve a pele dos “inocentes” e expurgue o mal da ilha. Assim sendo, o problema não é a disfunção do rapaz ou mesmo a que custo ele ressuscitará o seu lado nefasto. O que importa é canalizar isso para fazer o bem para a família.

E aí vale analisarmos o que está por trás do discurso de Instinto Assassino. Se D. pode matar para “fazer o bem”, então a sua natureza apenas é condenável quando fere os ideais familiares constituídos. Se os inimigos não fossem bandidos – que, segundo uma noção implícita, merecem morrer –, D. nada mais seria do que o cidadão que pode ser agressivo desde que isso signifique proteger a sua propriedade. Dando sequência às simplificações que tornam o contexto bastante questionável, o protagonista recorre frequentemente aos conselhos do psiquiatra vivido por Mel Gibson para saber até aonde pode avançar rumo à retomada do “seu eu”. David Hackl tenta extrair algum tipo de graça do fato de o doutor não saber o que verdadeiramente está acontecendo enquanto continua solicitando ao paciente que reprima os seus impulsos mais selvagens. Como essa dinâmica não tem muita efetividade, as interações telefônicas servem somente para o filme não perder um nome importante como Gibson de vista. E, voltando àquilo que sustenta o discurso do longa, lá pelas tantas o médico autoriza D. a ser o assassino letal, desde que isso sirva para legítima defesa. Trocando em miúdos, temos outra noção cara ao ideal bélico vigente nos Estados Unidos: os fins justificam os meios, ou seja, se for para salvar sua pele, D. recebe permissão para cometer atrocidades e ser novamente um homicida selvagem.

Por mais que seja fisicamente semelhante ao seu pai, Scott Eastwood está muito longe de ter as mesmas qualidades de Clint Eastwood como ator. Mas, pode-se dizer que a sua composição desse homem psicologicamente abalado, mas fisicamente apto e letal, é adequada à superficialidade da abordagem geral. Uma vez que Instinto Assassino não exige complexidade emocional e nem encara de modo minimamente interessado os transtornos mentais, o ator pode ficar confortável num registro próximo do “apático bonitão com cara de mau”. Kevin Durand é outro intérprete bem aconchegado, mas no lugar de vilão. Não vai além de fazer as caras e bocas esperadas de alguém que precisa ser mais impiedoso do que o anti-herói para justificar o retorno deste ao caminho da matança. Especificamente quanto à ação, David Hackl apresenta uma encenação bem burocrática, feita basicamente de ações e reações relativamente proporcionais; de tiros trocados até que o bem prevaleça sobre o mal; de pessoas inocentes sendo salvas por aquele que carrega o estandarte do paladino da justiça. Não há um instante em que o espectador pode se deixar levar pela intensidade dramática e chegar ao ponto de temer pela vida do protagonista ou das pessoas que ele protege. E, para arrematar a fatura, D. trata os remédios não como auxiliares para equilibra-lo, mas enquanto drogas descartáveis que limitam quem ele é. Ao que tudo indica, a ideia é criar uma nova franquia. No entanto, de novo esse começo não tem nada.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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