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Sinopse
Em Instinto Materno, Alice (Jessica Chastain) e Céline (Anne Hathaway) são amigas com estilos de vida parecidos. A harmonia de seus mundos desmorona depois do trágico acidente envolvendo o filho de uma delas. Aos poucos, o vínculo que as une vai se transformando num perigoso jogo de segredo e mentiras.
Crítica
Baseado no livro homônimo escrito por Barbara Abel, Instinto Materno também é anunciado como remake do longa-metragem franco-belga de mesmo nome lançado em 2018 (você pode ler sobre o filme original clicando aqui). Na nova versão, a trama europeia é transposta a um subúrbio pacato dos Estados Unidos nos anos 1960. Nele, Celine (Anne Hathaway) e Alice (Jessica Chastain) são vizinhas de porta, moram em residências praticamente geminadas. Aliás, as duas são quase cópias uma da outra: donas de casa que aguardam diariamente seus maridos voltarem à tranquilidade de lares alegrados pela presença de meninos de oito anos de idade. No entanto, o cineasta Benoît Delhomme não investe na uniformização como sintoma da homogeneidade que sufoca a individualidade. Trata-se do primeiro assunto mal explorado por esse thriller que aposta suas fichas num jogo desengonçado de pistas maldispostas e situações encenadas com mão pesada. Exemplo disso é a cena inaugural, cuja intenção é ótima: mostrar que as aparências podem enganar. Alice espreita Celine saindo, entra na casa alheia furtivamente e pega uma faca pontiaguda na gaveta. O diretor sugere que algo ruim vai acontecer, mas no fim das contas a prestativa vizinha somente estava preparando uma festa surpresa de aniversário para a amiga. Porém, ainda que a ideia seja instigante, a tensão em torno dos mistérios é demarcada demais.
Uma vez que o enredo passa a ser ambientado no subúrbio com uma classe média branca, numa época de transição política nos Estados Unidos, é de se esperar que o deslocamento promovido pela refilmagem seja justificado exatamente pela moldura, ou seja, por aquilo que cerca a história repleta de tragédias enormes e dúvidas de fidelidade. No entanto, Benoît Delhomme não desenvolve as novas particularidades do cenário e do tempo histórico, se limitando a diálogos esparsos sobre a corrida espacial que marcou a Guerra Fria e a ascensão de John F. Kennedy à presidência. O realizador francês não acentua o clima de pasteurização perceptível nas poucas cenas em que não está chamado demasiadamente atenção à sua pretensa capacidade de construir suspense – com viradas “inesperadas”, trilha sonora intrusiva e guinadas abruptas. Desse modo, até a sincronicidade entre as protagonistas perde sentido como comentário sociopolítico, consequentemente tendo menos relevância como componente das inquietações que surgem depois do acidente fatal envolvendo o filho de Celine. Outro ponto citado displicentemente e nada aprofundado é a compartimentação por gênero, dentro da qual homens consolam homens e mulheres interagem com mulheres. É algo visto rapidamente quando o pai enlutado somente responde aos pêsames do vizinho e quase ignora a esposa deste.
Depois da trágica morte do menino punido por ser imprudente, Instinto Materno implode a relação até então cordialíssima entre Celine e Alice. O roteiro assinado por Sarah Conrat prevê uma alternância mecânica entre essas duas personagens principais dentro de uma noção de vilania. Quem seria a malvada? Num momento, somos levados a achar exagerada a proximidade de Celine com o filho da vizinha. No outro, acabamos condicionados pelos acontecimentos a acreditar que Alice está tendo outro surto psiquiátrico, o que explicaria o seu estado nervoso em frangalhos, com direito à paranoia de que a mãe de luto pode querer fazer mal ao seu filho. Não fosse essa troca constante e burocrática de localização numa disputa que parece ser entre o bem e o mal, o realizador francês ainda passa batido por complexidades como o machismo criando ansiedade nas esposas obedientes e recatadas. Ainda no primeiro terço, Alice demonstra desejo de voltar a trabalhar como jornalista, mas é “podada” pelo esposo (vivido pelo ótimo Anders Danielsen Lie, aqui restrito num papel alegórico) que defende a permanência da dona de casa no seio protegido do lar tradicional. Mas nada disso importa quando a disputa entre as vizinhas ganha contornos cada vez mais agressivos, até porque Benoît Delhomme elabora as fragilidades da saúde mentai de modo utilitário, não se interessando pelo assunto como algo a desenvolver.
Em Instinto Materno, a vulnerabilidade da saúde mental é estritamente uma ferramenta para tentar manter acesa a chama da dúvida – atributo principal do suspense, sem o qual uma obra do gênero não se sustenta. Então, nessa releitura norte-americana do longa original franco-belga a depressão pós-parto, a ansiedade e a melancolia do luto não chegam a se tornar temas relevantes, pois são restritos à função de indícios das possíveis desconexões de Alice e Celine com a realidade. Portanto, são, basicamente, desculpas para questionarmos a integridade do que ambas falam, sentem ou expressam em algum momento da história. Além disso, os sinais de precariedade psicológica são explorados como desestabilizantes femininos, pois até o luto masculino é geralmente escondido do público. Isso faz com que as personagens mulheres sejam sempre definidas por suas debilidades emocionais. Se ao menos Benoît Delhomme elaborasse melhor a distância de tratamento dos gêneros numa sociedade machista e absolutamente patriarcal como a desses Estados Unidos branco, classe média e suburbano, o resultado seria menos superficial e, talvez, potencialmente distorcivo. Falta um olhar ácido ao meio ambiente propenso à paranoia e à desestabilização. O que sobra é um emaranhado de dúvidas e acusações artificiais rumando ao desfecho que traz à tona uma sucessão de monstruosidades da real vilã.
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