Crítica
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Sinopse
Em São Francisco, o policial Nick Curran fica fortemente atraído por Catherine Tramell, a principal suspeita de um assassinato. Apesar de ter consciência dos riscos que corre, Curran se expõe cada vez mais, mesmo quando novas mortes ocorrem.
Crítica
A primeira cena de Instinto Selvagem condensa bem o espírito desse neo-noir dirigido por Paul Verhoeven. O sexo, movimento intenso que precede o gozo, é rondado pela iminência do crime, este consumado após a mulher, por cima, assassinar a golpes de picador de gelo o ex-roqueiro de mãos atadas na cabeceira da cama. Morte e sexo, assim, desde o início, andarão juntos numa narrativa que alude ao cinema de Alfred Hitchcock ao mesmo tempo em que o subverte por incorporar o sexo (em Hitch tão velado) de maneira mais intensa. Em breve volto ao paralelo, mas o que importa, assim, de cara, é saber que estamos longe de intenções prosaicas ou puramente comerciais. Verhoeven fez carreira falando a respeito de aparências, revestindo ele mesmo o cinema de um caráter complexo por debaixo de tramas aparentemente simplistas ou de relativo mau gosto.
O detetive Nick (Michael Douglas) se vê irremediavelmente atraído pela principal suspeita do crime que inaugura o filme. Também pudera, Catherine (Sharon Stone) é a personificação da volúpia, mulher cuja sensualidade é amplificada pela aura de mistério – e perigo – que ela própria faz questão de fomentar. Verhoeven delineia com muita perspicácia essa personagem, a investindo de força libidinal, mas também de inteligência superior, ou seja, não fazendo dela apenas um corpo escultural talhado para o sexo. Catherine estuda as presas e as ataca nos pontos fracos, por exemplo, com Nick, aludindo ao vício pregresso em cigarros ou volta e meia trazendo à tona significativa mancha do passado.
Instinto Selvagem é lembrado até hoje como o filme no qual Sharon Stone faz a famosa cruzada de pernas, onde deixa entrever seu hábito de não usar calcinha. Fora a visão em si, a sequência é imprescindível à identificação da personalidade de Catherine, pois, passada num interrogatório, deixa claro que a interrogada é quem comanda a ação, subjugando os homens da lei que quase paralisam diante do movimento de pernas da suspeita. Ao passo em que Nick se rende aos (óbvios) encantos de Catherine, sua vida é acrescida de perigo e excitação, ganha brilho para além do martírio e da autopiedade que até então a corroíam. Os livros de Catherine são uma pista dúbia, denotam ao mesmo tempo culpa e inocência. Assim, a ficção dentro da ficção mais embaralha do que esclarece, pois de influência indefinida. Seria a autora dos livros também a autora dos crimes?
Catherine é uma autêntica femme fatale, apenas com a ressalva de que poucas vezes se duvida de sua vilania, já que ela própria não a dissimula. Mas estaria ela alimentando outra fantasia, além da sexual, a de que poderia ser assassina? Então, mesmo obviamente culpada, nos parece, lá pelas tantas, inocente ou vítima do nosso julgamento apressado. Nick, por sua vez, agora o protagonista do próximo livro dessa a quem considera “a transa do século”, fica entre o dever e o desejo. Instinto Selvagem é ambientado em São Francisco e mostra a obsessão de um detetive de passado fraturado por uma loira misteriosa. Em linhas gerais, remete claramente a Um Corpo que Cai (1958), de Alfred Hitchcock.
Não há qualquer arbitrariedade em Instinto Selvagem, o filme é todo calculado para aditivar o suspense de uma sexualidade feminina latente, tão forte que se configura em ameaça real ao dominante universo masculino. Paul Verhoeven é um grande cineasta, daqueles que produzem arte sem descuidar do público – assim como Hitchcock – e que, por isso mesmo, às vezes é tão incompreendido e atacado.
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