Crítica
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Sinopse
Presa à responsabilidade de cuidar do pai, um aposentado militar em estado terminal, Janete escreve. Ela cria uma trama policial, transferindo à ficção todas as suas angústias.
Crítica
O que primeiro se sobressai na construção de Insubordinados é a vontade evidente de fugir da mesmice, de buscar caminhos alternativos, distanciando-se de modelos usuais. A protagonista Janete (Sílvia Lourenço) se encontra enclausurada num hospital para cuidar do pai vitimado pelo acidente do qual sabemos a ocorrência por meio de um som característico. A intimidade que ela demonstra com o lugar, seja pelos trajes descontraídos ou mesmo em virtude da proximidade com funcionários e médicos, é incômoda, pois denota um costume só adquirido com o tempo. Enquanto vela o ex-militar de quem tem lembranças muito ternas, expostas na tela como filmes-recordação, ela escreve uma história policial.
O preto e branco da fotografia corrobora para a criação de uma atmosfera opressora e ligeiramente deslocada da realidade como bem a percebemos. O hospital é um local semideserto, habitado apenas por Janete, o pai doente e meia dúzia de personagens secundários sem muita relevância, inseridos apenas para reforçar a ponte estabelecida mais adiante entre cotidiano e ficção. Há duas camadas narrativas em Insubordinados que pretendem dialogar: o dia a dia da autora, em meio a essa sensação permanente de desconforto pela imobilidade paterna que prenuncia cada vez mais sua morte e a encenação do escrito, uma trama encabeçada por três policiais de vida pessoal desajustada. Os atores de uma aparecem quase invariavelmente na outra, claro, com outras personalidades.
A fragilidade maior de Insubordinados é justamente a falta de consistência dessa liga entre os níveis que caminham paralelos. O roteiro lacunar se esforça, muitas vezes em vão, para fazer com que as conexões se estabeleçam justos nas arestas, evitando o caminho mais óbvio, ato de coragem que infelizmente resulta numa fragmentação quase experimental, não necessariamente no bom sentido. Isso posto, é bom salientar também a artificialidade predominante das interpretações. Há um engessamento que serve bem à maneira como o hospital é abordado enquanto espaço físico, uma caixa hermeticamente fechada ao respiro de Janete, mas sem o mesmo efeito no que diz respeito ao mundo caótico dos agentes da lei que cometem erros profissionais e pessoais, tendo de arcar com os custos mais adiante.
Já que imbricar ficção e realidade como reflexão sobre a própria natureza narrativa é um itinerário malsucedido, Insubordinados perde boa parte da relevância. Mesmo curto (82 minutos), demora a passar, sensação menos acentuada quando no hospital, núcleo estética e dramaticamente melhor desenvolvido. Saber que a parte policial é reciclada de uma série de televisão ajuda a compreender o desequilíbrio. A criação se deu, portanto, na costura de materiais vindos de suportes e cronologias distintos. A já mencionada fotografia, grande responsável pela positiva estranheza visual, não faz frente ao desleixo da direção de Edu Felistoque com o trabalho dos atores e à incapacidade de significar a relação entre os planos narrativos, calcanhares de Aquiles do filme, pontos onde um mero golpe o faz tombar.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
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Marcelo Müller | 4 |
Ailton Monteiro | 6 |
MÉDIA | 5 |
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