Crítica
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Sinopse
Um grupo de exploradores faz uso de um “buraco-de-minhoca” para superar as limitações de uma viagem espacial humana e conquistar as grandes distâncias relacionadas a uma travessia pelas estrelas. Eles estão em busca de um novo planeta que possa ser habitável pela raça humana.
Crítica
“Passamos tanto tempo olhado para as estrelas, tentando entender nosso lugar no espaço, que esquecemos de olhar para baixo e buscar compreender nossa real função na Terra”. Essa frase, dita em um dos momentos cruciais de Interestelar, resume com exatidão a premissa básica do épico espacial dirigido por Christopher Nolan. Estamos num futuro não muito distante, em que os exércitos não existem mais e a grande preocupação da humanidade é produzir comida suficiente para alimentar os sobreviventes. O ensino superior é uma realidade cada vez mais restrita, e fazendeiros são os responsáveis pela mão de obra mais valiosa da sociedade – afinal, são eles que seguem plantando e gerando o alimento cada vez mais valioso. Essa é a atividade profissional de Cooper (Matthew McConaughey), um ex-piloto que abraçou a vida no campo após ter ficado viúvo, preocupado com o futuro dos dois filhos. E será justamente por causa dessa consciência que ele será levado a tomar a decisão mais difícil de toda a sua vida.
Christopher Nolan declarou em mais de uma ocasião que sempre sonhou fazer um filme no espaço. Após reverter a ordem das narrativas convencionais (Amnésia, 2000), revelar os segredos mais íntimos dos ilusionistas (O Grande Truque, 2006), invadir o mundo dos sonhos (A Origem, 2010) e apresentar o herói necessário aos tempos de hoje (trilogia Batman: O Cavaleiro das Trevas), ele finalmente conseguiu realizar este antigo desejo. Assumindo um projeto que circulava por Hollywood há mais de dez anos e que havia sido concebido inicialmente para o mago Steven Spielberg, Nolan não só conseguiu se apossar dessa trama a respeito da busca de um sentido para a nossa presença no universo como o transformou em um trabalho tipicamente seu, com todo o esmero técnico já esperado, mas também dotado de uma profundidade filosófica singular, que certamente deverá atrair fãs na mesma medida que alimentará detratores. Ainda que a inspiração óbvia seja 2001: Uma Odisseia no Espaço (1968), o hermetismo desse passa longe, uma vez que essa nova jornada é menos truncada e mais acessível. Em última instância, é um filme que precisa também ser sentido, e não somente compreendido.
Com a quantidade de pragas agrícolas se espalhando com cada vez mais força – ontem foi o trigo, hoje é o quiabo, amanhã será o milho – e a poeira resultante de incêndios e da aridez pela escassez de água tomando conta literalmente de todo o mundo, são poucos os que seguem acreditando num mundo melhor. Cooper é um destes homens de fé, e quando um ‘fantasma’ começa a se manifestar no quarto de sua filha, ele percebe ali a possibilidade de uma comunicação em uma outra esfera – ou dimensão. A tentativa de ler os sinais percebidos o leva a crer em algum tipo de fenômeno gravitacional, o que o conduz até uma determinada coordenada. Lá é apresentado ao que resta da NASA e a um projeto tão secreto quanto ambicioso: encontrar um outro planeta capaz de ser habitável e, desse modo, evitar a extinção da raça humana.
Após muitas leituras e pesquisas, alguns possíveis corpos celestes foram identificados. Missões foram enviadas a cada um destes endereços, e somente três deles seguem emitindo sinais minimamente confiáveis. Cabe à Cooper, portanto, comandar a missão que terá como objetivo ir até estes planetas e apontar qual deles possibilitará a salvação da humanidade. Em seu bolso, há dois planos: o primeiro significa transpor a população terráquea até a nova “morada”, enquanto que o outro representa esquecer tudo que ficou para trás e dar início a uma nova colonização, começando praticamente do zero. Não precisa ser vidente para imaginar os esforços que serão empregados para se evitar a todo custo a segunda opção.
Em determinado momento, quando se faz necessário escolher apenas um de dois possíveis destinos, a Dra. Brand (Anne Hathaway) aponta para aquele que o seu coração parece indicar. “É preciso acreditar no Amor, pois essa força não pode ser apenas um capricho emocional”, argumenta. O que sentimos uns pelos outros e a forma como os elos se estabelecem entre as pessoas é o grande assunto a ser debatido em Interestelar. Pode-se falar de estrelas e luas, galáxias e buracos negros, mas não se engane: o que importa, num nível muito mais profundo, é o que o Homem carrega dentro de si. Esta parece ser a crença de Christopher Nolan, e é a trajetória do protagonista rumo a esta verdade inabalável que acompanhamos com tanto interesse e afinco.
Se os cenários apresentados pelo cineasta e por seu diretor de fotografia Hoyte Van Hoytema (o mesmo do recente Ela, 2013) são de cair o queixo – a onda gigante e as nuvens congeladas são particularmente deslumbrantes – um dos pontos de maior interesse em Interestelar é seu estudo sonoro, desde a arrebatadora trilha sonora composta por Hans Zimmer (vencedor do Oscar por O Rei Leão, 1994), seu parceiro habitual, até o trabalho da equipe de Som comandada por Richard King (dono de nada menos do que três Oscars, o último por A Origem). É particularmente gratificante perceber o emprego com eficiência do silêncio no espaço, assim como é dosado com sabedoria o uso das composições incidentais, alternando entre momentos de reforço ao frenesi das imagens como também criando emoções muito próprias em sequências de tirar o fôlego. Somente por estes aspectos este filme já se destaca da grande maioria a que estamos acostumados regularmente, mas felizmente há muito mais a ser descoberto e vivenciado.
Amparado por um elenco não menos espetacular – McConaughey está novamente excelente, mais contido e no domínio pleno de suas capacidades, capturando todas as atenções para si, mas permitindo que Jessica Chastain, ainda que com tempo limitado em cena, consiga se destacar dentro de um conjunto que apresenta ainda nomes fortes como Michael Caine e John Lithgow – Nolan faz desse seu trabalho mais pessoal, em que olha justamente para cima para conseguir vislumbrar com precisão aquilo pelo qual tanto ansiamos. O arco dramático percorrido por estes personagens inverte lógicas estabelecidas e desafia tempo e espaço, mas por mais absurdo que se apresente segue fazendo sentido, uma vez que está inserido em contextos muito bem fundamentados. A matemática, a física e a ciência das coisas estão por todos os lados, e talvez por isso mesmo a ironia aponte justamente para o irracional na busca por respostas tão preciosas.
Qual nosso lugar, para onde vamos, de onde viemos? Qual o propósito de tudo isso? Como fizemos o que existe hoje sem amarmos uns aos outros? Questões que poderiam ser interpretadas de modo piegas se destacam dentro de uma composição austera, que se por um lado não tem medo de emocionar – o que faz, e com efeito – por outro reconhece também os momentos certos para isso, sem se impor de modo gratuito ou desnecessário. Interestelar é grandioso, solene e emocionante, mas também sabe ser direto, preciso e objetivo em suas aspirações. Elementos imprescindíveis que o fazem ser uma obra absolutamente completa.
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Frase do filme: "Eles escolheram ela". Quem são "eles"?
Quem passou as coordenadas da NASA? Não faz sentido que tenha sido o Cooper. Será que foi a gravidade mesmo?