Crítica

Trabalhar sobre a obra de grandes cineastas, fazendo remakes ou releituras, é um desafio considerável. Tende-se a esperar do novo filme uma carga qualitativa similar a do original, sendo inevitáveis comparações entre um e outro. Porém, a expectativa é injusta, pois são outros realizadores produzindo outro projeto em outra época. O resultado é naturalmente diverso do anterior. Interior. Leather Bar., de James Franco e Travis Mathews, não é um remake nem uma releitura de Parceiros da Noite (1980), de William Friedkin, mas enfrenta as mesmas dificuldades ao se colocar diante da obra matriz.

Franco e Mathews tiveram uma ideia interessante para realizar seu longa. A dupla imaginou como seriam – e decidiu filmar – os 40 minutos cortados da versão final de Parceiros da Noite quando de seu lançamento em 1980. No filme de Friedkin, diretor de clássicos como Operação França (1971), O Exorcista (1973) e do recente Killer Joe (2011), Al Pacino interpreta Steve, um policial infiltrado no submundo sadomasoquista gay de Nova York para caçar um assassino.

A redução do longa atendeu a uma sugestão imposta pela Motion Picture Association of America (MPAA), órgão que classifica filmes conforme o que entende como adequado para as audiências dos Estados Unidos. A submissão às decisões da entidade não são obrigatórias por lei, porém impactam diretamente no circuito comercial do país já que muitas salas se recusam a exibir obras não avaliadas pela instituição. Para evitar a classificação x-rated (pornô), Friedkin abriu mão das cenas mais pesadas de Parceiros da Noite.

Apesar do objetivo estabelecido, Interior. Leather Bar. não apresenta 40 minutos de exercício ficcional contínuo sobre o que poderia ter sido a parte censurada do original. Na verdade, Franco e Mathews, autor do roteiro, misturam making of e ficção na construção fílmica. Ao registrar os bastidores da produção, o duo utiliza instrumentos documentarizantes como entrevistas, reuniões de equipe, leitura de roteiros e casting de atores para apresentar o processo de desenvolvimento do projeto e unir este material às cenas de ficção. De certa forma, o modelo se aproxima de Ricardo III - Um Ensaio (1996), dirigido e estrelado pelo próprio Al Pacino no intuito de verificar a significância de Shakespeare no mundo contemporâneo.

A filmagem dos bastidores acompanha não apenas a produção de Interior. Leather Bar., como também as dúvidas do ator principal, Val Lauren, intérprete do personagem vivido anteriormente por Pacino. Heterossexual, Lauren alega desconforto para interpretar Steve em um set tomado por gays em cenas de sexo explícito S&M. Perdido entre sua postura pessoal e seu papel artístico, questiona Franco sobre as razões do filme e as motivações do astro para realizar o longa.

Lauren teme que ambos fiquem marcados por um projeto que, para ele, será definido como pornográfico. Franco defende a arte e a liberdade de discursos estéticos e narrativos avessos ao padrão imposto pelo cinema comercial e pela TV. Também critica as audiências, mais confortáveis com violência extrema do que com orientações sexuais inconvencionais. No entanto, admite não saber onde quer chegar com Interior. Leather Bar.

A dúvida de Franco, realizador de outros 23 títulos, se traduz nos teores ficcionais do longa. Se são de fato interessantes os bastidores e o debate sobre as liberdades da arte e do cinema, o poder de atração da obra se reduz justamente quando o filme deveria se superar. Nos momentos em que o registro documental finalmente cede espaço à ficção, Franco e Mathews pecam pelo pouco poder imaginativo.

As cenas dos novos trechos para Parceiros da Noite são bastante curtas e pouco fazem além de remontar algumas sequências do longa original. Apesar de inserir takes de sexo explícito não exibidos em 1980, que em si não garantem inovação ou qualidade cinematográfica, não há um enredo criativo que estruture ideias nem uma narrativa original que leve adiante o que vimos no filme de Friedkin. Parceiros... acaba sendo mais radical nas cenas de fetichismo, em que mais sugere do que efetivamente mostra, se comparado a este novo filme, que exibe sexo explícito fora de um contexto narrativamente elaborado.

Neste aspecto, o filme apresenta uma precariedade imaginativa incompreensível, tendo em vista que Interior. Leather Bar. pretendia elaborar sequências originais. Franco e Mathews deixam a desejar naquele que seria seu maior desafio: entregar ao público em 2013 algo que lhe foi negado em 1980.

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é jornalista, doutorando em Comunicação e Informação. Pesquisador de cinema, semiótica da cultura e imaginário antropológico, atuou no Grupo RBS, no Portal Terra e na Editora Abril. É integrante da ACCIRS - Associação dos Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul.
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