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Sinopse

Não se pode viver a vida de outra pessoa. Quatro estações. Quatro histórias. Quatro casais. Quatro desejos emaranhados. Um flerte de banheiro se consome em sua própria homofobia. Uma prostituta se rende ao amante. Chantagem e romance queer caminham juntos por uma trilha perigosa. A loucura domina a libido de uma mulher.

Crítica

As quatro histórias de Intimidade Pública discorrem essencialmente sobre o amor, mas, em certos momentos, são trespassadas por alguma medida de violência. Talvez, seja a forma da cineasta Luciana Canton de evidenciar a pungência de sentimentos e anseios, incorrendo numa tentativa bem-vinda de evitar edulcorações ou romantizações. Antes mesmo do filme começar de fato, sobressai o aviso de que ele não possuiu roteiro e somente foi possível graças ao empenho da equipe. Realização de conjunto, portanto, com fragilidades estruturais bem expostas, mas cujo traço principal é o frescor próprio das obras que valorizam os instantes para além de um senso cartesiano de unidade. A impressão é de que a câmera simplesmente invade, no bom sentido, o cotidiano das pessoas, registrando-os a partir dos pontos mais interessantes a ela, neste caso, os envolvimentos amorosos e a dificuldade de sustentar a permanência da intimidade.

Os segmentos de Intimidade Pública são titulados conforme as estações do ano. Assim, começamos na Primavera, com Danilo (Yuri Bathista) ora perambulando por São Paulo, ora dirigindo-se diretamente ao espectador, quebrando a quarta parede para confessar o turbilhão de sensações que sobrevém à necessidade de aceitar-se plenamente. Homossexual, ele reluta desde o momento em que troca olhares com Ramiro (Júlio Silvério), demonstrando incômodo ao avistá-lo no banheiro logo depois. A realizadora consegue manter essa inquietude existencial no centro da trama, estudando-a conforme a duração lhe permite, colocando-a no cerne de uma ruptura abrupta, adiante a retratando como derrotada frente aos ditames incontornáveis do querer. A encenação foca no essencial, o trabalho dos atores é convincente e, a despeito do pouco tempo, a subjetividade dos personagens surge com êxito.

Verão, a mais bem-sucedida das frações, apresenta a paixão entre Expedito (Henrique Guimarães) e Maria (Maira Sera). Os dois são proletários. Ele, trabalhador fluvial. Ela, prostituta. A interação física entre os intérpretes é o que dá potência à história. O corpo da mulher, geralmente espremido em roupas minúsculas e/ou transparentes, exala desejo e força consideráveis. Já o do homem está frequentemente retesado pela dificuldade de lidar com a situação imposta pelas circunstâncias, pois sua companheira, para sair da rotina nas ruas, encontra-se semanalmente com seu patrão, Gilberto (Antonio Jorge Dantas). Há certa brutalidade nos modos do casal, como se ele fosse formado por animais enjaulados, prestes a adotarem medidas desesperadas, para isso dependendo da situação e das obrigações. Intimidade Pública constrói bem a ideia da transformação das emoções de acordo com o panorama dado.

Assim como seu antecessor, em Outono a posição social das pessoas, especificamente a profissão, se torna um elemento determinante. Lúcia (Bia Carfig), professora, é chantageada por Bruno (Lucas Oranmian), aluno apaixonado. Paralelo a isso, a docente se depara com as investidas de Natália (Talita Contipelli). Aqui fica clara a tensão que reside, muitas vezes, logo abaixo da grossa camada do apreço. A questão transexual é colocada em jogo, de maneira simples, porém funcional. A parte derradeira, Inverno, é a mais bonita visualmente, com uma utilização expressiva da paisagem e do chiaroscuro. Contudo, seu desenvolvimento é o menos eficiente, por se tornar refém de uma bruma mal aproveitada. Nele, Sofia (Bia Lessa) se hospeda por necessidade na casa da médica Ana (Andreia Ferriello), onde passa a ter um caso com Dário (Rod Jubelini), irmão de sua benfeitora, morto há algum tempo. Intimidade Pública é irregular, mas não irrelevante, mostrando qualidades patentes.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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