Crítica


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Sinopse

Maya e Jana são adolescentes e inseparáveis. Jana costuma assumir a liderança das ações e é seguida pela amiga. Até que um dia, ela convence Maya a postar um vídeo em que Elena, a garota mais popular da escola, aparece fazendo sexo com o interesse amoroso de Maya. O vídeo viraliza e Elena vê sua vida destruída. Após um violento confronto entre as três garotas, Elena desaparece. Maya quer ir à polícia, mas isso não está nos planos de Jana. Maya, então, passa a ser o seu novo alvo, ao mesmo tempo em que tenta encontrar coragem para sair desse relacionamento tóxico e lidar com o segredo que ameaça arruinar o seu futuro.

Crítica

A amizade entre as adolescentes Maya (Antonija Belazelkoska) e Jana (Mia Giraud) é pautada pela violência. Na cena inicial, uma afoga a outra, segurando-a durante vários segundos sob a água. Em seguida, elas reclamam mas fazem as pazes e riem. A vítima, por sua vez, coloca um lagarto no corpo daquela que se bronzeia sobre as pedras. Elas se provocam, duvidando que terão coragem de se aproximar do garoto mais cobiçado da turma e fazer sexo durante uma festa. A dupla ameaça se jogar de um penhasco, e talvez desaparecer nas águas. Do início ao fim, o longa-metragem flerta com a ideia de que viver intensamente significa correr riscos, efetuar atos irrefletidos, e sobretudo, aproximar-se da morte - seja a “pequena morte” do orgasmo ou aquela concreta do penhasco, do álcool em excesso, do afogamento. Existe uma estranha lógica de sobrevivência neste contexto de classe média-baixa: quando percebem a popularidade crescente de uma colega da turma, precisam destroná-la para ocupar seu lugar. Pelo olhar da diretora Dina Duma, a passagem à fase adulta equivale a um terreno de rivalidades intermináveis, mesmo entre aquelas que se consideram amigas. Ser bom, legal, desejado e popular implica na obrigação de provar seu valor dia após dia, testando os limites do corpo e da moral.

Este território individualista, onde a imagem impera sobre o referente, encontra sua representação máxima no domínio das redes sociais. As meninas passam os dias grudadas ao telefone celular, usando o Instagram, TikTok e serviços de trocas de mensagens. Apesar de entediadas, sorriem e fazem pose, acompanhando com atenção o número de curtidas e compartilhamentos. Para existir num plano real, é preciso em primeiro lugar existir num plano simbólico: assim, a popular Elena (Marija Jancevska) se tornará obsoleta quando, desaparecida, deixará de publicar vídeos em seu perfil. Os estudantes ficam confusos quanto aos rumos desta, concluindo que, se sumiu das redes, deixou de existir em sociedade - ninguém toma a iniciativa de procurá-la, exceto pela mãe. De maneira perversa, a aluna invejada devido às imagens será destruída por elas, quando Maya e Jana decidem filmá-la em segredo fazendo sexo oral num garoto, e depois compartilham o vídeo. “É hora da vingança”, afirma esta última em duas ocasiões, reforçando uma linguagem de guerra. Elas nunca pensam nas consequências da gravação, apenas no poder iminente conferido pelo material. Compreende-se que, na era dos smartphones, vidas privada e pública se fundem, e o melhor jogador será aquele habilidoso na exploração destas fronteiras falhas.

Irmandade (2021) se destaca pela construção das motivações. Teria sido fácil descrever as protagonistas como “meninas malvadas”. Ora, a autora dedica esforço considerável a tornar sua revolta plausível aos olhos do público. A fase adulta, na qual estão prestes a entrar, soa pouco convidativa: os pais são divorciados, ausentes, exaustos com os trabalhos da casa. Profissionalmente, há poucas possibilidades no horizonte, e a prometida excitação das festas e das competições esportivas desperta a sensação de ressaca na jovem que ainda se sente despreparada para a primeira relação sexual. Maya e Jana rejeitam em Elena aquilo que incomoda em si próprias: a falta de coragem para experimentar os prazeres com os meninos, a aparência de uma pessoa divertida, bela, pronta à aventura. Ao eliminarem a adversária, elas combatem por analogia o padrão opressor de beleza e sucesso. Felizmente, o roteiro evita maniqueísmos: nenhum pai ou mãe agride as filhas, e nenhuma delas se reduz a vítima ou algoz. A perversidade está no sistema, ao invés da índole dos indivíduos. A dupla principal agride porque cresceu rodeada de exemplos semelhantes. Essa reflexão não as desculpa, porém impede que se limitem a vilãs perversas.

Além disso, o filme deixa claro seu ponto de vista ao priorizar Maya, aquela sofrendo de culpa e medo, a Jana, que prefere esquecer a história e seguir em frente. Antes vistas juntas, nos mesmos enquadramentos, agora estarão separadas, em cantos distintos das festas, e cortadas pela montagem. Duma posiciona-se junto a Maya, explorando o conflito moral da jovem corroída por suas ações. O belo roteiro desenvolve este sentimento em múltiplas cenas, que vão da disputa na natação às novas festas, à aparição na casa da vítima e as tentativas de confessar sua responsabilidade numa delegacia de polícia. Uma vez brigadas, estas “irmãs" (título original) precisam substituir umas às outras no campo de batalha propício a esta geração: as redes sociais, onde serão alvo de difamação. Maya será substituída na dupla por outra adolescente, levando os professores a se confundirem quanto à identidade das alunas. A protagonista será acusada de vadia, e depois de “Virgem Maria”, num curto-circuito do machismo que também parte das garotas. Pode-se ser santa ou prostituta, e nada entre os dois. Ambas as opções soam nocivas e dignas de escárnio.

O drama segue suas heroínas com uma câmera ágil, porém sem tremer em excesso. A cineasta aposta no trabalho de composição de Antonija Belazelkoska, solicitada em inúmeros planos de detalhe. Ela transmite com eficiência o sentimento de estar prestes a explodir, lutando para manter a compostura, apesar de demonstrar pouca variação no jogo cênico. Duma evita a armadilha de fazer com que as meninas sejam definidas pelos rapazes com quem se relacionam: os garotos têm papel secundário, e afinal, o jogo de desejo, admiração e inveja se restringe ao olhar feminino. A conclusão, na chave da violência (e poderia ser de outra maneira?), trata de oferecer um desfecho aos símbolos em detrimento dos personagens. A cena inicial ecoa na última, enquanto a Internet volta a desempenhar papel fundamental na construção e destruição de reputações. Maya e Jana jamais serão isentas de culpa pelos atos, mas encontrarão maneiras de perceber a gravidade de suas decisões. A imagem se interrompe num plano congelado em pleno movimento, traduzindo a agressividade que ocupa o projeto como um todo. Trata-se de um término que resolve e não resolve a trama, deixando claro que certos fantasmas perseguirão as estudantes dali em diante.

Filme visto online na 45ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, em outubro de 2021.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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