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Crítica


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Sinopse

Francis e Helen são moradores em situação de rua nos Estados Unidos da Grande Depressão. Alcoólatras e com problemas de ordem mental, eles tentam se ajudar mutuamente para encarar os fantasmas do passado e os desafios do presente.

Crítica

A Grande Depressão iniciada em 1929 foi um dos períodos mais nefastos da história norte-americana. Nele se passa Ironweed, adaptação do livro homônimo de William Kennedy, dirigida por Hector Babenco logo após o êxito internacional de O Beijo da Mulher Aranha (1985). Estamos num entorno degradado pela quebradeira financeira, pela falta de emprego, pela proliferação de moradores de ruas que lutam para sobreviver. Logo no começo do filme, Rudy, personagem de Tom Waits, miseravelmente comemora o diagnóstico de câncer, pois, segundo ele, é a primeira vez na vida em que de fato tem alguma coisa. Quem escuta a sentença é Francis (Jack Nicholson), homem assombrado por um evento trágico do passado, distante da própria família há mais de vinte anos, e que igualmente passa os dias bebendo e perambulando sem eira nem beira.

A rotina é dura, muitas vezes abrandada pelo consumo de álcool. Francis bebe demais, gasta qualquer centavo que consegue em doses de esquecimento momentâneo. Ele reza somente para garantir um prato de sopa quente, nesta terra em que Deus parece distante, ou, ao menos, negligente. A desesperança rege Ironweed. O esmero da direção de arte garante a excelência da reconstrução de época e a verossimilhança da extrema pobreza. Assim, o aspecto visual dá credibilidade ao que se conta, ao drama das figuras que andam sem qualquer perspectiva de uma vida mais digna, torcendo quando muito para que a noite seja curta e o frio não castigue tanto. Babenco tem um senso clássico de encenação, não busca os holofotes para seu trabalho, colocando-o a serviço da história.

Francis tem uma relação com Helen (Meryl Streep), ex-cantora e pianista que deixou para trás os dias de glória e que, igualmente, enfrenta uma difícil realidade regada à bebida e incerteza. Eles brigam, se afastam de vez em quando, tem lá suas diferenças, mas sustentam um ao outro no que é possível. Não à toa, Nicholson e Streep foram indicados ao Oscar, pois ambos demonstram uma entrega admirável a esses personagens muito distantes de qualquer glamourização, pelo contrário, habitantes no limiar entre a miséria absoluta e a morte iminente. Claro, Babenco também merece créditos pela coesão das interpretações, não apenas do casal protagonista, já que os coadjuvantes ajudam a tornar esse mundo crível, ampliando ainda mais a sensação geral de desamparo.

Ironweed foi injustamente pouco visto. Seu lançamento ocorreu num momento complicado, em que os Estados Unidos viviam situação semelhante à da trama. Babenco mostra, mais uma vez, predileção por tipos marginalizados, colocados de lado por uma sociedade que vive de aparências e aplaude apenas os bem-sucedidos. Vemos pessoas batalhando para ter o que comer, penhorando seus princípios para ter onde dormir, enfrentando fantasmas do passado e doenças que surgem em decorrência da precariedade, sem qualquer espaço para mensagens edificantes ou curvas dramáticas que nos aliviem um pouco a sensação de acompanhar, de fato, uma tragédia social de duros efeitos pessoais. Cinema sem concessões para privilegiar o conforto do espectador, algo bem raro.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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