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Sinopse

Uma menina de cinco anos de idade é supostamente assassinada pelo próprio pai. Uma mãe em busca de justiça. Uma sociedade em polvorosa inflamada por veículos de comunicação que esbarram no sensacionalismo.

Crítica

Há quem diga que o Brasil começou somente agora, e tardiamente, a entrar na onda dos true crimes, as produções cinematográficas ou serializadas baseadas em crimes verdadeiros. Mas, afirmar isso é desconhecer a história do cinema brasileiro. Afinal de contas, o nosso primeiro longa-metragem, O Crime dos Banhados (1914), foi justamente a reconstituição de um fato criminal acontecido dois anos antes. Aliás, somam-se a ele outras produções feitas nos anos posteriores que representaram nas telonas casos cabulosos da crônica policial então atual. Claro que o atual boom do true crime mundo afora, fenômeno compartilhado globalmente sobretudo via streaming, é indício de um reaquecimento de mercado e, como qualquer onda, pode ser surfada em busca de evidência/audiência/views/cliques/play. De todo modo, é bom dissipar os desentendidos. Não estamos chegando atrasados na festa, pois ajudamos a começa-la há mais de um século. Dito isso, Isabella: O Caso Nardoni aborda um dos crimes mais midiatizados da última década no país, a morte chocante de uma menina de cinco anos de idade, defenestrada em circunstâncias nebulosas enquanto estava sob a guarda do pai e da madrasta. Trata-se de um filme de cunho claramente jornalístico, cuja preocupação maior é a reconstituição do que se sabe, pouco atento às possibilidades inventivas/investigativas que cabem aos documentários.

Dirigido por Micael Langer e Cláudio Manoel, Isabella: O Caso Nardoni é prisioneiro de dois princípios básicos: a informação e a síntese. A linguagem jornalística confere à experiência uma falsa noção de objetividade. Falsa, porque cada escolha criativa (dos personagens a ouvir ao encadeamento da montagem) denota intenções e pontos de vista subjetivos. No entanto, os realizadores constroem a narrativa orientados por essa falácia da imparcialidade – utilizada por uma corrente da imprensa a fim de criar a enganosa sensação de detenção da verdade. O percurso adotado é semelhante ao de uma reconstituição criminal: parte do que teria precedido o assassinato da pequena Isabella, dá espaço às testemunhas sobre a comoção imediatamente posterior à queda da ´criança, descreve a investigação e o circo midiático gerado em torno do caso e chega ao pós-julgamento. Tudo correto e bem articulado, com informações encadeadas e completadas pelos testemunhos atuais de pessoas diretamente envolvidas, vide as palavras da mãe da vítima. Todos os assuntos ganham atenção vaga e são tratados como meras peças de um quebra-cabeça cuja imagem final é o caso em sua amplitude gigante. Em prol do resumão competente dos acontecimentos, os cineastas deixam de oferecer qualquer frescor sobre eles, não indo muito além de concentrar tudo nos 100 minutos e pouco acrescentando à percepção.

Do ponto de vista da síntese jornalística, Isabella: O Caso Nardoni é bem-sucedido. Micael Langer e Cláudio Manoel apontam incontáveis elementos e agentes, guiando o espectador por um caminho investigativo claro. Exatamente como quando alguém faz uma reportagem empenhada em deixar o leitor ciente de todos os aspectos lógicos de um acontecimento. Porém, tendo em vista que, passados mais de 15 anos do ocorrido, ainda restam diversas dúvidas sobre a tragédia, esse desejo por deixar tudo às claras é superficial, pois diz respeito apenas a reiterar aquilo que já se sabia. A pegada tradicional do documentário não dá qualquer margem à expansão dos questionamentos e em raros momentos nos convida a indagações inquietantes. Falta ao filme um ímpeto provocador, uma abordagem menos subserviente ao que foi explorado durante anos sobre o crime. Nesse sentido, os diretores pecam pela passividade, por se contentarem com os depoimentos (que não trazem nenhuma perspectiva nova/desconhecida) e com a costura competente de registros televisivos que escancaram a inclinação ao sensacionalismo. Diversos assuntos potencialmente instigantes aparecem durante esse resumo que pode ser comparado a uma grande matéria – parecida com um episódio do programa televisivo Linha Direta. Nenhum tema é aprofundado, nenhum aspecto é valorizado, senão como fragmento de algo bem maior.

Os diretores Micael Langer e Cláudio Manoel apontam várias coisas, mas não as desenvolvem, provavelmente por receio de que algum tópico se impusesse e colocasse em risco o projeto de síntese jornalística. A voracidade da imprensa; o comportamento da opinião pública; a observação de Alexandre Nardoni como sujeito ao pai impositor; a suspeita de que a madrasta Anna Carolina Jatobá sofria de depressão e era submissa ao marido abusivo; as divergências entre os advogados sobre os rumos da investigação e do processo; o papel da polícia e os subterfúgios fornecidos para inflamar o discurso de culpabilidade dos acusados; a influência de certa peça audiovisual para aumentar a fome condenatória. Enfim, são inúmeras perspectivas simplesmente subaproveitadas dentro do contexto burocrático da reconstituição. A animação utilizada pela polícia para ajudar a incriminar os Nardoni seria um excelente pretexto para, sem a necessidade de fugir ao assunto, colocar implicitamente em pauta tópicos escorregadios como: a parcialidade inerente à criação humana, os interesses policiais, o poder das imagens em movimento como fator persuasivo, a vaidade dos envolvidos, etc. Então, o que faz Isabella: O Caso Nardoni ser mais um entre tantos true crimes lançados é a submissão a esse modelo jornalístico que vende a objetividade como sinônimo de imparcialidade. O documentário não investiga camadas/minúcias indicativas de um fato tão midiatizado como esse cruel assassinato.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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