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Sinopse

Um dia, Aidan acorda e descobre que o mundo ao redor foi tomado por criaturas violentas que contaminam os seres humanos pela mordida. Ele permanece isolado em seu apartamento, com medo de atrair o inimigo, até descobrir a presença de uma bela vizinha que desperta a coragem de sair e enfrentar o perigo.

Crítica

O apocalipse zumbi toma conta do mundo. Em questão de minutos, um surfista tatuado e mulherengo (Tyler Posey) descobre hordas de criaturas sangrentas devorando corpos humanos, pessoas gritando, ligações desesperadas dos familiares. O rapaz perdeu os acontecimentos porque estava dormindo durante o começo do caos (e porque essa escolha facilita a vida do diretor Johnny Martin e dos produtores). O roteiro ignora as causas da contaminação e as possíveis curas: a história se atém ao tempo presente, junto a um personagem sem amarras sociais. Assim, a única preocupação será sobreviver. Os pais são devorados desde as cenas iniciais, durante uma ligação telefônica, algo que preocupa o rapaz por pouco tempo. E daí, quer que eu faça o quê? Não sou coveiro. Esta premissa poderia suscitar tensão de maneira orgânica, trabalhando a solidão, a sede, a fome, o receio por familiares e pessoas amadas. No entanto, a narrativa abre mão destes elementos: a comida no apartamento do solteirão dura mais de 40 dias, há garrafas d’água de sobra, a Internet funciona sem problemas. Durante parte considerável da trama, Aidan aparenta estar entediado em sua casa, ao invés de desesperado.

Enquanto o protagonista se encontra em situação confortável, o mundo lá fora se deteriora com rapidez espantosa. Logo após a descoberta da crise, o noticiário fala em poucos sobreviventes. O surfista passa a anotar os dias no espelho do banheiro, como numa parede de prisão (embora ainda tenha telefone celular, computador, caneta e papel para isso), e deixa um post-it a si próprio: “Fique vivo”. Bem lembrado, Aidan. Com a provável intensão de aumentar o senso de urgência, o cineasta trabalha com a câmera na mão, colada ao rosto do personagem em planos-sequência que chacoalham sem motivo aparente e efetuam contorcionismos inesperados (vide o estranho giro de 360º na sacada). Tyler Posey, em composição afetada, tem sua composição sublinhada pela predileção de Martin por momentos extremos de desespero e choro. A iluminação dos corredores repletos de zumbis (jamais chamados por este nome, e sim por “Screamers”), a coreografia das raras lutas e a facilidade com que se entra e sai dos apartamentos vizinhos nos aproxima de um filme B, não necessariamente feito com poucos recursos, mas com pouco cuidado. Isolado na Pandemia (2020) possui a aparência de cinema amador.

Para além da textura digital e da decupagem dispersa, que nunca sabe ao certo o que quer captar, o filme sofre com uma quantidade impressionante de absurdos, improbabilidades e inverossimilhanças. O jovem grava um blog destinado a terceiros, porém o guarda para si mesmo, e o roteiro se esquece de preservar o dispositivo. Geladeiras soam como barricadas perfeitas para as portas dos apartamentos, até Aidan abrir e fechar portas protegidas sem problemas. Os zumbis são cegos e incapazes de sentir o cheiro de uma pessoa viva se fingindo de morta, porém na cena seguinte, passam a farejar o herói em perigo. O protagonista tem a oportunidade de chegar até a sacada da bela vizinha (Summer Spiro), mas ao invés de ficarem juntos, ele prefere voltar à casa e admirá-la à distância. A televisão traz todas as informações de que o rapaz (e o espectador) precisam saber, desligando-se após alertar sobre as catástrofes. Quando o diretor e o roteirista não sabem como explicar as intenções de Aidan, sem problema: basta pedir para que o herói diga em voz alta tudo o que pensa (neste que é provavelmente o recurso número um a evitar em aulas de roteiro). Já a mocinha torna-se mero empecilho na vida do surfista: ela é frágil, carente, possessiva, do tipo que tropeça sozinha num corredor cheio de zumbis e corre o risco de ter a casa invadida a qualquer momento, apesar de estar trancada. Afinal, os zumbis são capazes de quebrar portas e paredes? A resposta varia de acordo com a conveniência narrativa.

O maior problema deste projeto se encontra na falta de consciência a respeito de um roteiro fraco, atuações mal trabalhadas e uma mise en scène com aparência de improviso. Em termos de cinema-catástrofe, Isolado na Pandemia está mais perto de Sharknado (2013) do que de Extermínio (2002), embora não o perceba. Martin conduz esta morna trajetória de sobrevivência, dotada de esparsas cenas de ação, com a seriedade de quem acredita elaborar um excelente suspense. As melhores produções B são aquelas capazes de reconhecer seus exageros, rir de si próprias e subverter referências na chave do pop. Infelizmente, este projeto ignora estas alternativas. Se há um elemento realmente bom no filme, ele se encontra em Donald Sutherland. Após mais de uma hora de exageros de Posey e fragilidades de Spiro, o ator surge com tamanho vigor que engole os colegas de cena. Edward, o senhor idoso preso num apartamento confortável, constitui o único personagem dotado de ambiguidade, complexidade psicológica, e capaz de alterar humores e temperamentos diante do perigo. A maestria de Sutherland com diálogos indica o bom terror que poderia existir a partir da mesma premissa. Talvez o roteiro tenha escolhido um dos personagens menos interessantes do apocalipse, durante a temporalidade mais entediante, pois imutável – o surgimento do caos propiciaria maior carga dramática.

É possível dar um passo atrás e fazer uma pergunta importante: em plena pandemia, após tanto tempo trancados em nossas casas, combatendo um vírus que já matou mais de duas milhões de pessoas no mundo inteiro, estamos realmente ávidos por histórias sobre pandemias? Entre as propostas antagônicas de utilizar filmes para refletir sobre o isolamento (confrontando-nos diretamente a ele) ou escapar à realidade opressora (fingindo que o problema inexiste), o cinema espetacular a respeito de vírus mortais traça um incômodo caminho intermediário, apropriando-se do real enquanto fetiche. Michael Bay concebeu a história da “Covid-23” com astros teen do momento (Songbird, 2020, estrelado por K.J. Apa e Sofia Carson), Jonathan Rhys Meyers se encarrega de proteger uma mulher imune à praga mortal em The Survivalist (2021), Steven Soderbergh anunciou a continuação de Contágio (2011). Esta seria uma maneira de a expiar a dor pela ficção, de normalizar a crise, ou apenas o voyeurismo de observar o perigo a partir de um ponto de vista protegido? Somos atraídos pela esperança (a possibilidade de superar o dilema, ao menos na ficção) ou pelo horror (como o prazer mórbido de observar cadáveres de acidentes de carro à beira da estrada)?

Chega o momento em que precisamos refletir sobre a nossa tendência ultra contemporânea de transformar mazelas em pastiche, com a velocidade de um clique nas redes sociais. Hoje, corremos para nos colar ao momento, para falar de uma situação ao vivo. Aproximamo-nos todos da socialite que tirava fotos sensuais em cenários de desastres climáticos. Entretanto, o cinema nunca foi uma arte instantânea, precisando de tempo para amadurecer, produzir e finalizar, propiciando o distanciamento enquanto parte de sua linguagem. Através do cinema digital e caseiro, finalizado às pressas, o filme-espetáculo tenta se colar aos telejornais, criando uma relação perturbadora com o real. Onde se estipula o limite ético (do cinema, do espectador, do mundo do entretenimento) em extrair prazer da morte alheia? Como nos portar diante da dor dos outros? Michael Bay, rei das explosões, das produções oportunas e oportunistas, deixa de constatar que, no atual contexto, seria mais ousado investir no cinema da intimidade. Johnny Martin, diretor de câmeras caóticas e personagens catárticos, não investe no peso do silêncio, do toque, do afeto entre duas pessoas isoladas que se encontram após 42 dias de clausura. A verdadeira explosão, neste caso, nasceria da necessidade latente de estar juntos, ao invés dos zumbis genéricos que nos esperam do lado de fora. Os tempos são outros.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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