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Sinopse

Estudante do ensino médico obcecada por filmes antigos de samurais, Barefoot decide reunir seus amigos e fazer uma gravação amadora quando o clube de cinema local rejeita um projeto de sua autoria. E ela conhece um menino.

Crítica

Seu amor transbordante pelo cinema faz de Barefoot (Marika Itô) uma protagonista com quem devemos nos identificar imediatamente. Estudante secundarista apaixonada por filmes e pela mitologia dos samurais, ela pode ser definida como uma devota fervorosa da Sétima Arte. Além de saber de cor e salteado os diálogos dos seus jidaigeki favoritos – nome dado aos dramas nipônicos de época –, a menina tem o desejo de dividir esse entusiasmo. Pode ser que no meio do caminho ela meta os pés pelas mãos e deixe de prestar atenção aos anseios particulares das amigas. Porém, a sua intenção é das boas: compartilhar seus sentimentos diante da telona branca numa sala escura compartilhada. Preterida em função da colega que está rodando uma comédia romântica açucarada, Barefoot quer comandar um longa de sua autoria chamado Primavera Samurai. A aspirante a cineasta vislumbra a possibilidade de colocar o ambicioso plano em prática na companhia das duas amigas inseparáveis, a estudiosa Kickboard (Yumi Kawai) e a atleta Blue Hawaii (Kirara Inori). Essa premissa sugere duas coisas: 1) que It’s A Summer Film! é uma produção feita de amantes para amantes; 2) que os laços são engrenagens determinantes para as empreitadas darem minimamente certo. Cinema é uma arte coletiva. E essa ode ao amadorismo se justifica como uma dinâmica grupal. Ninguém (ou poucos) faz um filme sozinho.

It’s A Summer Film! é uma típica (e leve) comédia adolescente ambientada num espaço escolar. No entanto, o diretor Sôshi Masumoto escapa dos modelos consagrados nos Estados Unidos. Assim, ele não enfatiza as diferenças dos grupinhos ou as pequenas comunidades. Aqui não há uma separação cartesiana dos alunos por interesses ou traços de personalidade. Por exemplo, por ser estudiosa e compenetrada, Kickboard não é mais ou menos importante do que a sonhadora Blue Hawaii. Não há ênfase nas divisões dentro do colégio. As atenções ficam concentradas na protagonista que tenta fazer seu filme acontecer, sobretudo depois de encontrar um candidato aparentemente ideal para dar vida ao samurai de olhar enigmático que mora em seu roteiro. Rintaro (Daichi Kaneko) surge do nada e, inexplicavelmente, não aceita imediatamente o convite para ser o personagem principal desse épico de guerra rodado por estudantes. Apenas um pouco mais adiante é que saberemos o motivo por trás da hesitação. As coisas somente ficam claras no exato momento em que o longa-metragem selecionado para o Japanese Film Festival 2022 deixa de ser estritamente uma comédia romântica e passa a exibir componentes e lógicas de ficção científica. Desse ponto em diante, o da virada, a história tenta se equilibrar entre os amores juvenis e a homenagem ao cinema clássico, abraçando isso simultaneamente.

Sim, é importante não perdermos de vista que Barefoot é louca pelos enredos antigos que se referem a um período histórico distante da atualidade hiperconectada. Já a sua “rival” (aquela que conseguiu o apoio financeiro da escola) está trabalhando numa produção de contornos mais comerciais, uma daquelas comédias românticas em que mocinhos e mocinhas trocam olhares embasbacados e declarações que beiram o ridículo. Sôshi Masumoto, que assina o roteiro com Naoyuki Miura, poderia com isso desenvolver uma ponderação sobre essas duas abordagens. De um lado, a menina que reverencia obras consagradas; de outro, a colega que não demonstra qualquer pudor em escrever e posteriormente encenar diálogos melosos que dizem respeito a amores supostamente eternos. Mas, o realizador prefere convergir a divergir, moldando gradativamente um discurso sobre a importância de manter acesa a chama do cinema. It’s A Summer Film!  é um filme suave, que não se aprofunda nas discussões sugeridas durante as desventuras da protagonista. No entanto, nem por isso deixa de apresentar uma visão encantadora e motivadora dos que lutam contra as adversidades para manter viva a tradição de contar histórias audiovisualmente. Aliás, essa relação dos personagens com o cinema é mais eficiente (bonita e bem resolvida) do que os vários jogos amorosos um tanto sem graça.

Em It’s A Summer Film! há um diálogo – superficial, mas significativo – entre passado, presente e futuro. O primeiro é evocado pelo próprio cinema, especialmente por aqueles filmes que remetem os espectadores à época dos míticos samurais; o segundo é o momento de celebrar heranças e garantir que haja amanhã nas telonas; já o terceiro é simbolizado pelo viajante que anuncia um cenário de deixar os fãs da Sétima Arte de cabelos em pé: décadas à frente, o cinema deixou de existir como o conhecemos, sendo diluído em experiências audiovisuais com segundos e, quando muito, minutos de duração. Aliás, o dado de ficção científica serve, basicamente, a esse viés apocalíptico. O futuro pavoroso torna mais urgentes e nobres os esforços de Barefoot e companhia para continuar contando histórias por meio de imagens em movimento. O encerramento é menos provocativo do que poderia, pois prioriza uma conciliação arrebatadora. A mensagem é clara: se queremos que a Sétima Arte sobreviva à concorrência de outras formas de entretenimento e arte massificadas, é preciso dar as mãos, sem tantas divisões que facilitem o processo de conquista pelas mídias ascendentes. Porém, é bom nos situarmos: a pegada romântica permanece à frente da equivalente reflexiva. Nela, as nuances não são tão contabilizadas e a intenção principal continua sendo homenagear o cinema e os demais amores avassaladores.

Filme visto durante o Japanese Film Festival Online 2022, em fevereiro de 2022

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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