Crítica
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Sinopse
Andrea Tonacci volta-se para registros seus inéditos, até então intocados. Imagens de família, viagens, filmes lançados, projetos inacabados... Memórias de um autor que ganham forma com a edição. Quarenta anos de produção repletos de afetos e, claro, muito cinema.
Crítica
A matéria-prima de Já Visto Jamais Visto é o passado, mais especificamente os estilhaços do outrora, retidos em diversas situações e momentos pelo cineasta Andrea Tonacci. Italiano de nascimento, radicado no Brasil desde os nove anos de idade – ou seja, passou do fim da infância em diante no país tropical, com o qual sua obra se preocupou sobremaneira ao longo dos anos –, ele resolveu revisitar imagens capturadas durante mais de 50 anos. Do profissional Andrea vieram fragmentos de longas-metragens, dos acabados aos infelizmente inacabados. Do homem de família, os flagrantes de intimidade, o relance do filho tocando piano sem saber-se filmado, a documentação da viagem à Itália com o mesmo, aliás, que demonstra curiosidade diante dos monumentos do Velho Mundo. Longe de tentar construir uma narrativa convencional, Tonacci propõe uma poesia de encontros imagéticos e sonoros ressignificados.
O começo é particularmente voltado à infância, com o entrecruzamento do making off e da viagem, ambos centralizados numa criança. A justaposição dos bastidores com os registros da visita à terra natal de Andrea, especialmente por conta do interesse compartilhado, cria um breve percurso cuja beleza está na simplicidade da rima entre as dimensões ficcional e real, mescladas em Já Visto Jamais Visto. Assim, chave e fechadura, por exemplo, elementos de instâncias fílmicas completamente distintas, se complementam pela atração dos planos, formando uma ideia, embora não obviamente clara do ponto de vista informativo, mas simbólica, lírica. Filmes não finalizados como Os Últimos Heróis (1966), A Mulher do Mafioso (1973), At Any Time (1960/1998) e Paixões (1994) ganham novos significados ao misturarem-se formalmente com obras emblemáticas de Andrea, que o tornaram célebre como criativo.
Olho Por Olho (1965), Blá Blá Blá (1968) e Bang Bang (1970), este um dos grandes títulos do chamado Cinema Marginal, ou Udigrudi, período do qual Andrea foi um dos destaques principais, oferecem não apenas seus fotogramas a este rico experimento cinematográfico que utiliza a arte como via para a escoação dos afetos, mas trazem consigo a urgência dos tempos de luta. Realizados em plena Ditadura Civil-Militar, mais designadamente no período de repressão brutal que sobreveio à promulgação do Ato Institucional Nº 5, esses longas formam o segmento de Já Visto Jamais Visto em que o cineasta alude, pesaroso, aos anos de chumbo, parte significante de sua biografia, assim como a de todos que tentavam resistir aos desmandos dos milicos. Nos vídeos caseiros, transborda o amor do realizador pela arte. Mesmo em casa, ao lado dos seus, ele se preocupa com ângulos e perspectivas, com o cinema.
Já Visto Jamais Visto não foi concebido para ser um testamento em forma de filme, uma vez que, a despeito das dificuldades de financiamento que sempre enfrentou, Andrea Tonacci tinha outros projetos em vista, como convinha à sua mente fervilhante. Assim, é involuntária, mas também incontornável, a sensação de tristeza que perpassa integralmente essa sessão especial, pois temos um cineasta inventivo, absolutamente enamorado pela forma eleita para comunicar o mundo e relacionar-se abertamente com ele, que olha para o ontem em busca, talvez, de diretrizes ao porvir. Andrea, como um arqueólogo cinematográfico da própria história, resgata pedaços, dando-lhes valor e significado. A homenagem aos pais, quando lança mão de fotografias deles da solteirice à constituição familiar, encaminha o encerramento, que se dá na bela leitura de O Desprezo, de Alberto Moravia, exatamente sobre o fazer cinema.
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