Crítica
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Crítica
Criar é um ato invariavelmente solitário. Esta máxima, Juan Carlos Onetti (1909 – 1994) levou ao pé da letra até o fim de sua vida. Escritor nascido em Montevideo, filho de pai uruguaio e mãe brasileira, Onetti representa a mais pura tradução do inconfundível – quase incomunicável - sentimento pertencente ao país, algo entre a melancolia e a resignação, devidamente bem registrado no documentário Jamás lei a Onetti.
A boa literatura tem por característica o alcance universal. Para tal, o desafio do escritor consiste em absorver os elementos locais e, tal qual matéria-prima, modelá-los na busca de transcender-lhes forma e significado. Fruto desse compromisso mais ou menos consciente, Onetti forjou Santa Maria, cidade imaginária semelhante à capital em que nasceu, triste espaço para o refúgio de seus personagens.
Ocupando toda a extensão da tela, um papel branco recebe os primeiros traços que darão forma à cidade. Norte a orientar sua criação, estão lá a estação de trem, a praça central, a casa de vendas, o prostíbulo e o estaleiro, todos os espaços devidamente acompanhados pelo leito de um rio, marca da região do plata.
Composto a partir de manuscritos e entrevistas, o documentário produzido em parceria entre Uruguai e Espanha tem por fio condutor a reprodução em papel do cenário imaginário. Conduzido de forma competente e sem sobressaltos pelo diretor Pablo Dotta (El dirigible, 1994), o filme permite introduzir vida e obra do escritor nos seus pouco mais de 70 minutos de duração.
É verdade que muito esforço não se faz necessário para despertar o interesse pela sua literatura. Em uma de suas melhores cenas, o escritor uruguaio Eduardo Galeano, amigo de Onetti, nos lê uma breve passagem de El Pozo, primeira incursão do jovem Onetti no mundo literário, em 1939. Sentado à mesa de um bar ambientado conforme as descrições desoladoras do amigo, a voz grave e sisuda de Galeano combina perfeitamente com a lucidez amarga das linhas.
Entre os depoimentos de amigos, conhecidos e estudiosos – com destaque para as declarações da última mulher do escritor – alternam-se, em contraponto ao peso das memórias, os relatos humorísticos propiciados pelo temperamento peculiar de Onetti frente a seus admiradores e admirados, como no encontro sepulcral com o escritor mexicano Juan Rulfo. Sem deixar de nos interessar, em alguns momentos o roteiro comete deslizes. Somos levados a Madri, cidade que recebeu o escritor durante seu exílio. Contudo, não sabemos ao certo o que fazemos lá. Estamos na Avenida America, 31, residência do escritor? Nem mesmo a presença dos músicos Jorge Drexler e Fernando Cabrera insinuando um momento meta-ficcional parece uma boa resposta.
Simples e honesto, reflexo do homem que procura desvendar, o documentário por vezes torna-se minimalista. Onetti, que considerava serem poucas as palavras dignas de suplantar a riqueza do silêncio, se mostraria satisfeito com o resultado.
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