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Sinopse

Na única loja da cidade de McCarthy há uma reunião de membros de um fã-clube de James Dean, que ocorre devido aos 20 anos da morte do astro. Logo chegam algumas mulheres que carregam segredos. Através de flashbacks descobre-se como elas eram quando o ator estava vivo, ficando claro que, com o passar do tempo, elas perderam a inocência.

Crítica

Na década de 1980, mais especificamente após o lançamento de Popeye (1980), Robert Altman afastou-se dos grandes estúdios e deu início a uma sequência de projetos independentes baseados em peças teatrais, sempre realizados com orçamentos modestos. A primeira destas produções foi James Dean: O Mito Sobrevive, adaptação do espetáculo homônimo escrito por Ed Graczyk, e que o próprio Altman havia dirigido nos palcos sem grande sucesso. Além do cineasta, todo o elenco da montagem original também retornou para a versão cinematográfica, que narra a história de um grupo de amigas, integrantes de um fã-clube do ator James Dean, que se reencontram na única loja da pequena cidade de McCarthy, no Texas, vinte anos após a morte de seu ídolo para homenageá-lo.

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Sem negar a origem do material, Altman situa toda a ação em um único cenário, construído de forma duplicada e separado por um espelho de duas faces, que serve como divisão temporal da narrativa - de um lado temos as cenas passadas no presente, 1975. Do outro acompanhamos os flashbacks do passado, 1955. É nesse ambiente confinado que conhecemos as protagonistas da trama: Mona (Sandy Dennis), a líder das “Discípulas de James Dean” - que alcançou seus quinze minutos de fama na cidade ao participar como figurante das filmagens de Assim Caminha a Humanidade (1956) e que afirma que seu filho, Jimmy Dean, é fruto de uma noite de amor com o astro - a extrovertida e sexy garçonete Sissy (Cher), a proprietária da loja/sede do fã-clube Juanita (Sudie Bond), a falante Stella Mae (Kathy Bates), a introvertida Edna Louise (Marta Heflin) e a misteriosa Joanne (Karen Black).
Sob o escaldante calor texano, ressaltado pela fotografia ensolarada de Pierre Mignot, as amigas passam a limpo suas trajetórias desde a juventude, expondo traumas e arrependimentos, e trazendo à tona segredos dolorosos. Altman, que já havia filmado o documentário The James Dean Story (1957), utiliza a figura do astro em sua forma mais icônica, como um símbolo máximo de liberdade e rebeldia. Uma representação dos desejos das personagens, que são drasticamente opostos às suas realidades. Essa relação com o ícone é particularmente mais intensa no arco de Mona, aquela que se agarra à devoção de modo quase patológico, e encontra na fantasia sobre sua história com Dean uma espécie de proteção contra seus medos – as desilusões amorosas, o relacionamento problemático com o filho - e a dificuldade de enfrentá-los.

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É de sonhos desfeitos que trata o longa, não só dos individuais das personagens, mas do próprio “sonho americano”.  A ambientação interiorana no sul dos EUA, com todas as suas idiossincrasias, se mostra ideal para que Altman apresente sua visão de um país que, contrariando a crença comum, não oferece as mesmas oportunidades para todos. O peso da sociedade patriarcal sobre as mulheres também ganha força no trabalho do diretor, pois James Dean: O Mito Sobrevive é uma obra essencialmente feminina, em que até mesmo o único personagem masculino, Joe (Mark Patton), sofre na pele o preconceito e a opressão devido à sua orientação sexual. A questão de gênero, aliás, assim como todos os outros temas, é abordada com delicadeza e carinho pelo cineasta.
Por mais que exponha a hipocrisia das relações, bem como as imperfeições dessas mulheres, Altman demonstra um caloroso afeto por cada uma delas. Entre acusações, verdades não ditas e sentimentos reprimidos, permanece um elo de amizade genuíno que dá forças a todas e as coloca de pé frente às adversidades da vida. Conforme a trama caminha para o ato final, esses laços parecem se estreitar, ao mesmo tempo em que mais revelações são feitas. Apesar de serem facilmente antevistas pelo público, as reviravoltas não perdem sua força, pois acabam refletindo a natureza do relacionamento entre as personagens que, mesmo já sabendo dos segredos umas das outras, mantêm as aparências na tentativa de preservar ao menos a ilusão de felicidade que construíram.

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Para garantir o sucesso de sua proposta, Altman conta com ótimas atuações do elenco. Todas as atrizes têm seu momento de brilho, mas é mesmo no trio composto por Cher (extremamente divertida), Sandy Dennis (intensa) e Karen Black (com sua figura peculiar) que a verborrágica trama se concentra. Além das performances, o apuro técnico do cineasta é outro grande trunfo do longa. Através de fusões e jogos de luz e sombras, Altman rompe as limitações de espaço, dando fluência à narrativa para que ela não se torne demasiadamente teatralizada. Já o engenhoso efeito do espelho sublinha com perfeição o contraste entre o passado - filmado mais à distância, envolto em uma atmosfera de devaneio, por vezes fantasmagórica - e o presente. Um trabalho exemplar, capaz de gerar imagens arrebatadoras como as da melancólica sequência de créditos finais, que mostram cada canto da loja abandonada, sob os efeitos da ação do tempo. O passar dos anos transforma quase tudo em ruínas, como os pedaços da fachada da mansão de Assim Caminha a Humanidade que Mona coleciona. Mas o poder do mito, as antigas memórias e as amizades verdadeiras permanecem eternamente.

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é formado em Publicidade e Propaganda pelo Mackenzie – SP. Escreve sobre cinema no blog Olhares em Película (olharesempelicula.wordpress.com) e para o site Cult Cultura (cultcultura.com.br).
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