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Reconstituir uma tragédia, ficcional ou documentalmente, é revivê-la. No dia 27 de janeiro de 2013, a cidade de Santa Maria, no interior do Rio Grande do Sul, teve um de seus episódios mais devastadores, com a morte de 242 pessoas no incêndio que consumiu a boate Kiss. O mundo voltou seus olhos para o acontecido, em lamentos que foram desde a mais pura solidariedade até a indignação com a falta de segurança que propiciou o incidente. Parte da comunidade local, ainda em meio à dor que parece não cessar, começou diversos movimentos que visam preservar a memória dos mortos, além de providenciar para que tal episódio não se repita. Janeiro 27, dirigido a quatro mãos por Luiz Alberto Cassol e Paulo Nascimento, artistas com ligações estreitas com a cidade, procura entender um pouco as circunstâncias, tomando depoimentos, sobretudo de familiares dos mortos.
Em 2003, algo similar havia acontecido na boate The Station, em Rhode Island, EUA. Já em 2004, foram vítimas os frequentadores da Cromagñón, em Buenos Aires, Argentina. Janeiro 27 inicia ouvindo sobreviventes e pais que perderam seus filhos nessas ocasiões, como num prefácio que tenta estabelecer de pronto ligação entre os três episódios. Começar o documentário dessa maneira funciona para mostrar que mesmo distante temporal e geograficamente, os incidentes têm em comum além do aspecto humano, da perda e do posterior luto, as falhas que os permitiram, principalmente no que diz respeito ao descaso com a segurança dos frequentadores. Talvez funcionasse melhor se isso não fosse tão marcadamente introdutório, como um segmento quase distinto.
A partir daí, temos a rememoração dos fatos nos depoimentos de pais, familiares e outros membros da comunidade santa-mariense, num percurso bastante esquemático. Todo evento trágico segue um roteiro quase natural. Valendo-se disso, os diretores criam blocos temáticos na tentativa de que os testemunhos se completem. Assim, boa parte dos entrevistados vai expor seu último contato com a vítima próxima, como ficou sabendo do incêndio, o que fez logo depois, como reagiu nos primeiros dias, quais as providências para seguir adiante mesmo dilacerado, e por aí vai. O procedimento se mostra falho porque provoca reiteração, já que explora de menos as particularidades de cada depoimento, ressaltando justo o que eles têm em comum. Talvez uma das únicas passagens em que isso não ocorra é quando um pai fala sobre sua culpa por ter perdido, segundo ele, três oportunidades de evitar que a filha fosse à Kiss no dia fatídico.
No mais, o documentário evolui seguindo fielmente a cronologia da tragédia, com os depoimentos entrecortados por imagens de uma Santa Maria pacata, em outro artifício que se repete até perder a força dramática. Janeiro 27 é um filme quase todo apoiado na emoção dos depoentes, o que pode, como de fato é, ser perigoso. Ao engendrar as falas com o intuito de criar uma espécie de unidade, os diretores Luiz Alberto Cassol e Paulo Nascimento acabaram apenas reforçando os mesmos pontos, empobrecendo de alguma maneira o todo. Não se discute a dor alheia, aliás, muito pelo contrário, mas sim as opções que fizeram de Janeiro 27, se não piegas, pois os sentimentos são apresentados de maneira respeitosa, excessivamente ancorado em certos processos comuns da dor. Não se buscou, por exemplo, refletir sobre as causas, claro, por opção de quem privilegiou deliberadamente a emoção. A pobreza da linguagem não pode, nem deve, ser justificada pela evidente relevância do assunto que, a bem da verdade, merecia ter sido abordado com mais amplitude.
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