Crítica
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Sinopse
Numa casa enorme do bairro Jardim Europa, a família de Eleonora se vê às voltas com dívidas, ainda presa a um passado de riqueza. Do outro lado da cidade, personagens interagem num Sebo. Esses mundos se conectam.
Crítica
O caminho de um filme nacional desde a pré-produção até sua chegada às telas costuma demorar. Além de ser um investimento pesado desde a gênese do projeto até sua difusão quando pronto, muitos empecilhos e entraves podem acontecer no meio do caminho, atrasando ainda mais sua estreia. No caso de Jardim Europa, foram necessários 10 anos entre a finalização de suas gravações e sua estreia – que se deu em setembro de 2014 no centro do País. A demora é justificada pela falta de verba, visto que os ensaios – que duraram 10 meses – e as gravações aconteceram sem dinheiro. Em um processo originário do teatro, o diretor uruguaio estreante Mauro Baptista Vedia colocou seu elenco a ensaiar e criar as falas de um filme sem roteiro, em um estilo muito livre de concepção, muito calcado na obra de cineastas independentes como John Cassavetes, Mike Leigh e Lucrecia Martel.
Na trama, vemos a derrocada da classe média representado em uma família moradora do bairro Jardim Europa, em São Paulo. Antes cheios de posses, agora os moradores daquele casarão precisam economizar, evitar gastos desnecessários e, principalmente, prestar contas uns aos outros para não estourar o orçamento. Quem busca este bem comum é o filho mais velho de Elenora (Cinthia Zaccariotto), o escritor Luis Felipe (Silvio Restiffe). No entanto, suas irmãs Ana Luiza (Fernanda Catani) e Mariana (Helena Figueira) não descem do salto, como se não compreendessem a nova condição da família. Tudo piora quando o patriarca Alberto (Horácio Penteado) retorna ao casarão, agitando as estruturas de lá. Em meio a isso, Juarez (Laerte Mello), o dono de um pequeno sebo na região, afeiçoasse a Elenora e a chama para sair. Ela, por sua vez, vê naquele homem uma forma de afastar seu ex-marido e o convida para passar uns dias em sua casa. Juarez tem seus próprios problemas: sua irmã neurótica Janice (Ester Laccava) o persegue a todo momento, lhe pedindo inclusive uma posição dentro do sebo – já ocupada pelo faz-tudo Osmar (Marcos Cesana). Quando estes dois mundos colidem, Jardim Europa mostra a que veio.
É curioso que o longa-metragem tenha demorado tanto a chegar aos cinemas, mas se mostre tão atual por este momento vivido no Brasil a respeito das classes sociais. Hoje se fala tanto na nova classe média e como a antiga classe C e D incomoda parcela esnobe das classes A e B. E vemos isto acontecer de forma muito inventiva no terceiro ato de Jardim Europa, quando Janice invade a casa dos antigos ricos, causando uma celeuma facilmente traduzível para o macrocosmos da situação: os pobres tomando de assalto espaços que não lhe pertenceriam, deixando as pessoas (pretensamente) de posse enraivecidas pela invasão. A presença de Osmar também se revela alvo de protesto das filhas mimadas da família, que não concebem aquela divisão de espaço, mesmo que, no fim das contas, aquele homem venha a resolver um problema prático da casa.
Essa discussão do lugar das classes sociais e da decadência da família são os melhores momentos do longa-metragem – somados a interpretação fantástica de Ester Laccava como a ensandecida Janice. Cesana e Restiffe entregam bons desempenhos, mas acabam por mostrar de forma ainda mais óbvia a disparidade do elenco. Horácio Penteado, por exemplo, ainda que tenha boa presença e um tipo físico perfeito para o papel, esbarra em sua falta de experiência e não convence nas cenas que necessitam maior intensidade.
Jardim Europa se revela mais interessante pela sua temática e pelo discurso, visto que sua execução acaba revelando por demais as restrições orçamentárias que a produção sofreu. O trabalho de som é precário, a fotografia carecia de maior cuidado – ainda que alguns enquadramentos sejam interessantes e o balançar da câmera seja uma opção artística – a trilha sonora é intrusiva por demais e existe uma óbvia disparidade dos talentos do elenco, fato que incomoda. É notório que se busca uma desdramatização e o exercício é executado aqui com sucesso restrito.
Subtraídos estes pontos e colocando em foco a temática de Jardim Europa, o longa-metragem de Mauro Baptista Vedia se mostra um produto diferenciado na cinematografia brasileira. A utilização do improviso durante os ensaios dá ao filme um senso teatral – o que não significa teatro filmado, mas sim uma interessante apropriação dos personagens por parte do elenco. É de se perguntar o que seria alcançado com um orçamento mais generoso.
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belissima critica, levantando questoes muito acertadas.muito bom ter um retorno assim.