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Crítica


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Sinopse

Um ataque terrorista mata quase toda a família da adolescente Maxi. Revoltada com a incapacidade da polícia em encontrar culpados, ela se aproxima de Karl, o líder carismático de um grupo de extrema-direita que prega a deportação dos imigrantes e uma Europa branca. Maxi se sente acolhida pelo grupo, mas quando perceber as verdadeiras ideias por trás do movimento, talvez seja tarde demais.

Crítica

Je Suis Karl (2021) parte da constatação que as ideias de extrema-direita adquiriram uma aparência nova no século XXI. Ainda existem raros nazistas “tradicionais”, que veneram a suástica, Hitler, os slogans e gestos típicos do Terceiro Reich. No entanto, esta ideologia se tornou menos chamativa e espetacular. Os indivíduos que se identificam com esta forma de pensamento não precisam usar as máscaras da Ku Klux Klan - talvez vistam o terno e gravata de um burocrata qualquer; a roupa casual do vizinho ao lado. O “neoconservadorismo” alemão soube retirar pautas ostensivamente violentas do discurso, enquanto o Front National francês ganhou um rebranding, como diriam os publicitários: quando Marine Le Pen sucedeu ao pai Jean-Marie na liderança do partido, deixou de atacar explicitamente os negros, árabes e parou de dizer que “O Holocausto foi um detalhe da história”, como gostava de afirmar o pai. Na ambição de ocuparem o governo, estes líderes adquirem uma roupagem sedutora, repleta de termos vagos nos quais se inserem propostas discretamente agressivas. Neste longa-metragem, o grupo fictício Re/Generação propõe que as pessoas possam se defender, se sentir seguras, constituir família entre europeus capazes de se reconhecer um no outro. A religião e a raça sequer são citadas, embora os cartazes em defesa de uma “nova Europa” contenham apenas retratos de pessoas brancas.

O filme estuda a origem deste pensamento e sua retórica contemporânea, marcada por eufemismos, deturpações e uma aparência fraterna, ao invés de ofensiva - por isso, os ataques terroristas são conduzidos às escondidas. Assim como ocorreu na ditadura militar brasileira, quando os próprios agentes do governo conduziram o atentado do Riocentro para responsabilizar a esquerda, são os neonazistas que explodem prédios para culparem imigrantes pela insegurança. Este posicionamento se alimenta do medo, precisando estimular a fragilidade - em outras palavras, criar o problema para vender a solução. Por isso, o roteiro elege como protagonista o símbolo mais evidente da condição da vítima branca: Maxi (Luna Wedler), sobrevivente de um atentado a bomba que matou a mãe e os irmãos pequenos. O diretor Christian Schwochow toma a precaução de esclarecer desde o princípio que a explosão foi coordenada pela Re/Generação, sem estimular sentimentos punitivos anti-árabes, nem manipular o espectador pelo prazer da descoberta dos culpados. O cotidiano da organização é acompanhado de evidente olhar crítico em relação aos seus atos. Maxi se sente acolhida pelo rapaz charmoso, dotado de boa oratória, fornecendo uma família simbólica, visto que perdeu a sua. Quando alguém dispara um “Sieg Heil” na multidão, o porta-voz Karl (Jannis Niewöhner) contesta imediatamente: “Isso foi antes! Agora é diferente!”. Há discordância quanto à aparência, não à essência.

Para uma trama de viés político claro, Je Suis Karl propõe boas nuances ao longo da narrativa. Em 2008, A Onda trazia uma visão didática da ascensão do nazifascismo, e em 2020, E Amanhã… O Mundo Todo cedia a algumas facilidades para discutir os perigos do extremismo. Ora, Maxi jamais se engaja por completo no movimento: ela aprecia as companhias fraternas, mas se distancia quando as falas discriminatórias adquirem amplitude. O cineasta recorre ao fenômeno dos sapos em água fervendo: a garota mergulha aos poucos num universo racista e xenofóbico, e quando começa a desconfiar dos objetivos nefastos do líder, já está envolvida demais. O roteiro evita transformá-la na real vítima desta história: Maxi sofre um bruto golpe da realidade, enquanto o discurso revela o impacto da violência nas famílias negras e num imigrante ilegal, Yusuf (Aziz Dyab), que chega à Alemanha em busca de vida melhor. Há notáveis precauções nesta trajetória: Yusuf e o pai de Maxi, Alex (Milan Peschel), nunca se convertem em heróis, ao passo que a jovem vai além da mera ingenuidade. Ela está psicologicamente abalada, porém raciocina por si própria e toma atitudes divergentes quando necessário. A protagonista vem de uma família progressista, e na hora de necessidade, apenas a união entre a menina recém-radicalizada, um homem árabe e outro de esquerda garantirá uma possível saída a todos.

A mensagem pode ser taxada de pedagógica, criticada pela ausência de sutilezas, como convém ao cinema que ilustra diretamente as militâncias e suas derivas, em registro realista. Há pouco espaço para metáforas, poesia, contemplação, ambiguidade: Karl e seu grupo de seguidores possuem um comportamento idêntico do início ao fim, dentro de uma estrutura onde a polícia, os investigadores, os presidentes e governadores estão convenientemente ausentes. Fala-se na política partidária (graças a um referendo a respeito da pena de morte), porém movida por representantes invisíveis, exceto pela carismática líder da extrema-direita francesa, Odile Duval (Fleur Greffier). De fato, o título original, em francês, significa tanto “Eu sou Karl” quanto “Eu sigo Karl” - uma ambiguidade benéfica aos tempos de redes sociais e notícias falsas, exploradas com astúcia pela Re/Generação. Resta a impressão de que a obra progressista dialogará sobretudo espectadores já propensos a escutá-la. De qualquer modo, haveria maneiras plasticamente instigantes e criativas de discutir estes exatos temas - algo que o cinema de gênero tem feito muito bem. Schwochow prefere criar um universo referencial e descritivo.

Esteticamente, o resultado demonstra a competência discreta tão apreciada pelas produções Netflix: as sequências revelam a produção cuidadosa, a fotografia de belas cores e texturas, com a câmera seguindo a protagonista em profundidade de fundo limitada (o fundo desfocado) sempre que possível, unindo Berlim, Paris e Praga numa plasticidade indissociável, pasteurizada. Embora discuta temas controversos, o diretor o faz por meio de uma estética consensual. Luna Wedler constrói de modo eficaz a gradação da adolescente cooptada pelos neonazistas, mesmo que exagere em sequências onde soa mal dirigida (a reação dentro do hospital, o primeiro encontro com Karl). Jannis Niewöhner, por sua vez, faz da liderança uma forma de sedução sexual e paterna. Talvez Maxi se envolva com rapidez excessiva nas lideranças do grupo, e a facilidade com que o atentado a bomba é esquecido pela opinião pública parece inverossímil. Ora, este não é o foco da obra, que prefere entregar a garota ao grupo responsável pela morte de sua família, provando que até um indivíduo diretamente prejudicado pela política do ódio pode ser conquistado por ele - o caso de tantos pobres de extrema-direita. Mais do que personagens detalhados por sua subjetividade, Maxi, Karl, Yusuf e Alex representam arquétipos da menina seduzida pela violência, do nazismo, do imigrante ilegal e da esquerda. O final aberto e a ocultação de um conflito prometido desde o início rompem com a previsibilidade, servindo de convite à reflexão. 

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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