Crítica

Quando foi anunciado que Clint Eastwood levaria um musical da Broadway para as telonas, as reações foram de surpresa. Afinal, este não é o terreno comum do eterno Dirty Harry. Com as notícias da produção em andamento começando a serem divulgadas, muitos apontaram o novo longa do cineasta como um possível candidato ao Oscar, enquanto outros torceram o nariz. Nem tanto ao céu ou ao inferno. Jersey Boys: Em Busca da Música (desnecessário subtítulo nacional) conta a história do Four Seasons, banda que fez muito sucesso entre os anos 1960 e 1970 e tem como maior expoente o hit Can’t Get My Eyes Off You, de forma simples, convencional, mas nem por isso menos eficiente.

O título original se refere à cidade natal da maioria dos integrantes do grupo. Tommy DeVito (Vincent Piazza), o guitarrista, começa a reunir os colegas ao mesmo tempo em que sempre descola bares e afins para tocar com a ajuda da máfia local. Assim ele conhece o baixista Nick Massi (Michael Lomenda), descobre a voz inconfundível de Frankie Valli (John Lloyd Young) e, mais tarde, o tecladista Bob Gaudio (Erich Bergen), que logo se tornaria o compositor principal da banda.

A trajetória do Four Seasons é recheada de altos e baixos, como toda banda de sucesso. No caso, uma que já vendeu mais de 100 milhões de cópias no mundo até hoje. Sem grandes inovações na narrativa, que segue à risca toda a história do quarteto (inclusive brincando com os vários nomes que teve anteriormente, como The Variatones e The Four Lovers), Eastwood investe na trajetória pessoal de seus personagens, mudando o foco e o protagonista à medida em que a história pede. Por isso, não estranhe se Nick, por exemplo, demora para ter destaque. Como o próprio se auto define, ele é o “Ringo” do grupo (clara referência aos The Beatles), o peixe fora d’agua da banda a quem ninguém pede opinião nenhuma.

Ainda assim, os grandes destaques vão para a composição de Tommy e Frankie. O primeiro tem a história mais densa, com o envolvimento em dívidas ao longo dos anos com a máfia, fato que fez o grupo perder um de seus integrantes. Antipático e sem modos, Tommy acredita ser o líder do Four Seasons por ter reunido todos e sempre dar “um jeitinho” para as coisas darem certo. Frankie, por outro lado, tem o ego inflado ao longo dos anos e é o que mais bate de frente com o amigo, ao mesmo tempo em que tenta ajuda-lo sempre. Afinal, foi Tommy quem o tirou das ruas.

Clint Eastwood acerta ao escolher atores desconhecidos, a maioria da Broadway (como o intérprete de Frankie Valli, que já encarnava o papel nos palcos), sem deixar que o espectador foque em um mais do que o outro pela simples presença. O que poderia acontecer caso algum ator famoso interpretasse um dos papéis, por exemplo. O elenco principal dá conta do recado, especialmente quando solta a voz. Não são atuações dignas de premiações, mas se mantém acima da média. Há, inclusive, uma participação simpática de Christopher Walken como o carismático mafioso Gyp DeCarlo, que ajuda o grupo em vários momentos. Quem também se destaca é o produtor homossexual (ou “teatral”, como define Gaudio, que até então não conhecia nenhum gay) Bob Crewe (Mike Doyle), que quase cai no caricato, mas tem importância vital na carreira da banda.

Porém, é claro, estamos falando de uma cinebiografia musical e o que não faltam são momentos em que a banda e seus intérpretes colocam grandes sucessos do grupo para o público ouvir, relembrando desde o primeiro single e hit do Four Seasons, Sherry, passando pela criação de Big Girls Don’t Cry, a discussão do grupo sobre Walk Like a Man até chegar, é claro, em Can’t Get My Eyes Off You, o momento mais inspirado de Lloyd Young e do próprio filme.

Nem por isso o filme tem menos falhas. O roteiro, como toda cinebiografia que tenta abordar uma longa trajetória temporal, perde-se em alguns momentos. Um deles é a informação jogada de surpresa sobre a filha de Frankie Valli em quem o cantor queria investir na carreira musical. O fato é importante pois culminaria numa tragédia pessoal e no surgimento de um hit, mas do jeito que é colocado parece que foi esquecido durante toda a narrativa e lembrado aos 45 do segundo tempo. Há um aspecto interessante da narrativa que soa repetitivo no fim das contas. Eastwood insere cenas em que cada um dos integrantes da banda fala diretamente com o espectador algumas discussões pontuais. Porém, tal recurso se torna cansativo.

Apesar de ser um estranho no ninho no currículo de Clint Eastwood e ser aquém de boa parte de suas obras realizadas da década de 2000 até agora, Jersey Boys entretém com inteligência, sem cair na armadilha de reverenciar ou escrachar os integrantes do Four Seasons. Seus dramas estão expostos, assim como as conquistas, fazendo jus a uma boa adaptação da peça vencedora do Tony Awards (o Oscar da Broadway). É um bom entretenimento, ainda que seja longo além do necessário. Mas é Clint Eastwood, mesmo que feito a toque de caixa. Qualidade é o que não falta.

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é crítico de cinema, apresentador do Espaço Público Cinema exibido nas TVAL-RS e TVE e membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Jornalista e especialista em Cinema Expandido pela PUCRS.
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