Sinopse
Crítica
Jéssika fala de um retorno marcado por hesitações prévias. Porém, a cineasta Galba Gogóia prefere deixar claros somente nas sequências posteriores os senões que entravam a frequência da convivência familiar. Num primeiro momento, a câmera se detém no deslocamento de alguém vista de forma fragmentada. Há uma vontade de criar expectativa com relação a essa pessoa que passa pelos lugares magnetizando olhares dos transeuntes, mas nada acintosamente. Todavia, há um excesso nesse fomento da expectativa. Intentando gerar impacto com a revelação da travesti protagonista regressando ao lar, a realizadora aposta no suspense como preâmbulo de uma conversa repleta de não ditos e lacunas. A entrada na casa de outrora é mediada por um choque de signos. As paredes repletas de imagens de santo, e demais representantes da iconografia cristã, gera um contraste explorado várias vezes sem tanta sutileza na narrativa.
Há um problema no som de Jéssika, provavelmente no que tange à captação direta. Nem sempre é fácil entender com clareza o que as personagens discutem à mesa, em meio ao árduo projeto para reestabelecer esse vínculo rompido há certo tempo. Galba faz questão de fotografar Jéssika (Verônica Valentino) em instantes-chave com insígnias religiosas ao fundo, apontando frequentemente a, talvez, um dos motivos da separação familiar. O grande problema está na encenação, nas marcações visíveis, no engessamento com que os gestos das atrizes são capturados. Em determinadas passagens o filme se beneficia da paciência com um meneio mais alongado, uma fala que teima em não sair, um olhar distanciado, mas a tônica dominante é a da verbalização. E o texto não é consistente suficiente para segurar todos os meandros desse regresso que poderia ser entendido a partir de óticas múltiplas e potentes.
A mãe (Shirley Britto) busca, a todo custo, agradar a filha, mas não consegue, quiçá por força do hábito, utilizar o pronome feminino. O modo como a cineasta reitera a dificuldade aponta, contudo desajeitadamente, à importância de uma inversão dessa lógica para que as coisas comecem voltar aos eixos. Jéssika é vítima de um marasmo contraproducente, fruto da dificuldade para trabalhar a potencialidade dos chamados tempos mortos e da titubeação que permeia as mútuas iniciativas. A menção do pai falecido é apenas outro elo de uma coexistência desgastada, embora distante e feita de esparsos encontros. Mas há uma tentativa de reafirmar esses vínculos, de reparar as conjunturas. Principalmente a matriarca parece disposta a dar o braço a torcer se isso significar ter de volta a agora filha. Mas o curta-metragem não substancia esse acerto de contas, tampouco investe na deflagração das arestas.
Jéssika se apresenta como rascunho de uma boa ideia, similar a outras bastante trabalhadas no cinema contemporâneo. O que o distingue dos congêneres é essa disposição por colocar a religiosidade como uma das bases da discordância, mas sem a necessidade de assinalar frontalmente isso, diferentemente do resto muito falado. Uma pena que Galba Gogóia não consiga segurar a trama nos silêncios e tampouco logre êxito quando as personagens resolvem abrir-se voluntariamente. Acaba que o filme é um exercício de impacto oscilante, guiado pelo desejo nobre de lançar luz sobre uma dinâmica absolutamente pertinente, entretanto sem as condições dramatúrgicas e de encenação para fazer do cinema uma ferramenta reflexiva. O clímax retoma a lógica do nome enquanto instrumento de afirmação, mas o faz sem atingir um grau satisfatório de emoção.
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