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Crítica

Toda ruptura requer um preço. A da Irlanda trazida em Jimmy’s Hall, mais recente trabalho de Ken Loach, é o do processo de liberdade. Estamos no início do século XX, e o país luta para se tornar independente da coroa inglesa. A divergência resulta na guerra civil. Neste clima, a primeira cena nos apresenta a Jimmy Gralton, quando o protagonista retorna à cidade natal, no interior do país, depois de um tempo em Nova York.

Interpretado por Barry Ward e inspirado em uma história real, Gralton é o personagem moldado para as telas do cinema. O homem a enfrentar a sociedade; a redimir os seus dos equívocos das instituições; o bem contra o mal. O estereótipo, que aqui se encaixa perfeitamente, tem no trabalho consistente de desdobramento da história o ponto alto.

O protagonista retorna sob uma recepção muito calorosa. Nela, promete cultivar uma vida regrada e tranquila – discurso que vira zombaria frente aos amigos. Por desconhecermos o seu passado, tendemos a considerar qualquer acontecimento mais fruto da idade do que da personalidade. Quando o padre Sheridam (Jim Norton) pergunta à mãe como está o comportamento do jovem, começamos a ter certeza de que, independente do que ocorreu, Jimmy é uma pessoa querida por todos.

O equívoco, porém, é o propósito do roteiro de Paul Laverty (À Procura de Eric, 2009), criado a partir da peça de Donald O’Kelly. Descobriremos aos poucos que a reputação de Jimmy divide a cidade entre a possibilidade e o perigo. Para os jovens de Leitrim, é a chance de retomar o salão que lhes permitia acesso à cultura, dança e ao canto. O espaço era a única forma de fazer da vida presa ao campo, em que trabalhar em um lamaçal soa como oportunidade, escape das garras da Igreja Católica. No desafio entre dar sentido à vida no aqui ou no além, a chegada do comunista Jimmy é uma afronta.

Após revelar o contexto, Loach começa a preencher o enredo com situações políticas, ao seu melhor estilo. O salão reaberto gera conflito com Sheridam. Primeiro, será o padre o opositor às atividades do protagonista, permitindo pelo menos três ou quatro momentos de bons diálogos. Depois, em uma transição estranha – a admiração repentina que o personagem de Norton terá por Jimmy soa falsa e improvável – o jovem será perseguido pelo Governo. Em meio às fugas da polícia e aos ensaios clandestinos, Gralton alimentará uma antiga paixão por Oonah (Simone Kirby).

Junto ao trabalho seguro da direção, a composição da direção de arte e dos figurinos conseguem reconstruir o momento histórico irlandês e fazer da trajetória do protagonista um épico moderno. Frente a outros trabalhos, Loach apostou demasiado no impacto do discurso político, deixando a desejar na criação da mise-en-scène. Se por um lado os diálogos conseguem pelo menos um conjunto de bons momentos, é raro pensar em três cenas que fujam da normalidade. Duas, porém, merecem destaque – e demonstram o potencial não explorado: a de Ooanah provando o vestido trazido da América e a ótima sequência em que Jimmy ensina os passos de jazz no salão. Ali, há beleza somada à ideologia, combinação da qual Jimmy's Hall se ressentirá em vários momentos, ainda que se mantenha competente do começo ao fim.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
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é crítico de cinema, membro da ACCIRS - Associação dos Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul, e da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Tem formação em Filosofia e em Letras, estudou cinema na Escola Técnica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Acumulou experiências ao trabalhar como produtor, roteirista e assistente de direção de curtas-metragens.
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