Crítica
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Sinopse
Num futuro distópico, em 2045, Wade Watts, assim como o resto da humanidade, prefere a realidade virtual do jogo OASIS ao mundo real. Quando o criador do jogo, o excêntrico James Halliday, morre, os jogadores devem descobrir a chave de um quebra-cabeça diabólico para conquistar sua fortuna inestimável. Para vencer, porém, Watts terá de abandonar a existência virtual e ceder a uma vida de amor e realidade da qual sempre tentou fugir.
Crítica
Os menos antenados, ou que não acompanham com afinco a carreira de Steven Spielberg, podem ter se assustado com o anúncio da estreia de Jogador N° 1 cerca de três meses após o lançamento de The Post: A Guerra Secreta (2017), indicado ao Oscar de Melhor Filme neste ano. Mas basta uma olhada rápida para a filmografia do diretor para perceber um padrão: pares como Indiana Jones e o Templo da Perdição (1984) e A Cor Púrpura (1985), Jurassic Park (1993) e A Lista de Schindler (1993), O Mundo Perdido (1997) e Amistad (1997), Minority Report (2002) e Prenda-me se for Capaz (2002), Guerra dos Mundos (2005) e Munique (2005), As Aventuras de Tintim (2011) e Cavalo de Guerra (2011), Ponte dos Espiões (2015) e O Bom Gigante Amigo (2016) formam um dueto constante – para cada momento de diversão e entretenimento, há outro logo em seguida muito sério e relevante. Desta vez, no entanto, o cineasta parece ter aperfeiçoado a fórmula: o filme baseado no romance de Ernest Cline é visualmente deslumbrante, mas, ao mesmo tempo, discute um assunto cada vez mais pertinente e que não pode mais ser ignorado.
O personagem-título é Wade Watts (Tye Sheridan, um dos melhores de sua geração), garoto que recebeu esse nome pois, segundo seu pai, lembrava “as identidades secretas dos super-heróis, como Peter Parker ou Bruce Banner”. Estamos em 2045, e o mundo se transformou num caos tão gigantesco que as pessoas, ao invés de buscar melhorias, só querem saber de soluções imediatas para seus problemas. E qual a forma mais rápida para fugir de um cotidiano deprimente do que se refugiar na ficção e no faz-de-conta? O escapismo sem consequência há muito pregado por videogames, histórias em quadrinhos e – vejam só! – o próprio cinema resultou em um preço alto demais, com o qual apenas alguns poucos podem lidar. A realidade virtual atingiu a todos e muito graças à OASIS, a mais perfeita e bem desenvolvida plataforma do gênero. E é exatamente neste ambiente artificial onde Wade e seus amigos, além de milhares de outras pessoas por todo o planeta, preferem passar seus dias.
Tudo muda quando James Halliday (Mark Rylance, à princípio irreconhecível, revelando uma versatilidade insuspeita), o criador do OASIS, morre sem deixar herdeiros – no lugar destes, cria um verdadeiro mapa ao tesouro. Ele espalhou pelas configurações do jogo três chaves – easter eggs, como são chamados estes segredos - e somente aquele que as encontrá-las será o novo dono da companhia. A sorte está lançada, e qualquer um pode alcançá-la. Wade acredita nas suas chances, assim como seu melhor amigo, Aech (Lena Waithe, de Master of None, 2015-2017), ou a jovem destemida pela qual logo se descobre apaixonado, Art3mis (Olivia Cooke, de Eu, Você e a Garota que Vai Morrer, 2015). Mas essa é uma disputa de milhões, e não será uma tarefa fácil superar cada um dos desafios propostos. Ainda mais com a megacorporação I0I, liderada pelo inescrupuloso Nolan Sorrento (Ben Mendelsohn, assustador), no encalço deles, disposta a tudo para assumir o controle global dessa não tão simples diversão.
Jogador N° 1 seria não mais do que uma corrida contra o tempo, no melhor estilo gato-e-rato, se não estivesse nas mãos de um visionário como Spielberg, que aos 71 anos se mostra com o mesmo fôlego que tinha aos 30, não dando o menor sinal de estar disposto a se acomodar nos louros dos feitos de outrora – muito pelo contrário, sua obstinação parece estar relacionada ao fato de querer se superar continuamente. Graças ao fato de Halliday ser um aficionado pela cultura pop do final do século XX, e a maior parte do filme se passar dentro de um cenário construído pela mente deste homem, as referências à esta época pululam a todo instante na tela. Do carro DeLorean (De Volta para o Futuro, 1985) à motocicleta de Akira (1988), do King Kong que destrói Nova York ao Gigante de Ferro da animação de 1999, do hotel de O Iluminado (1980) – uma das melhores sequências – ao vislumbre de gremlins endiabrados, os presentes para os fãs estão por todos os lados. Mas a verdadeira história se passa por trás de tudo isso. Ou seja, há mais de uma camada de leitura, e basta um pouco de atenção para que qualquer um destes níveis cumpra à contento o seu objetivo.
Pessoas que vivem literalmente empilhadas umas sobre as outras, a natureza agonizante, homens e mulheres que preferem se esconder sob avatares imaginados ao invés de olharem uns nos olhos dos outros. Spielberg desenha uma possibilidade no futuro, mas tão próxima do agora que é quase impossível não se sentir afetado por ela. Jogador N° 1 pode ser o seu filme voltado para o grande público, que promete bilheterias astronômicas e entrega milhares de efeitos visuais por minuto. Mas não é só isso – é, pois sim, muito mais. Uma profunda análise sobre a condição social a qual todos nós nos encaminhamos e uma reflexão sobre o mundo que estamos construindo – e que iremos deixar àqueles que depois de nós virão – embaladas por um panorama absolutamente hipnotizante, que atrai com facilidade na mesma medida em que alerta para os seus perigos. Todos nós queremos ser um pouco Wade – e, se pararmos para pensar, assim somos. Mas quantos estão dispostos e passar pelas mesmas provações do personagem? O homem que há décadas vem ensinando como a sala de cinema pode ser um portal para as mais encantadoras fantasias sentiu, enfim, o peso desta responsabilidade. O recado está dado, resta esperar que seja assimilado em tempo.
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