Crítica
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Sinopse
Atendendo a um anúncio de jornal, 83 mulheres contaram suas histórias de vida num estúdio. Em junho de 2006, 23 delas foram selecionadas e filmadas no Teatro Glauce Rocha. Em setembro do mesmo ano, atrizes interpretaram, ao seu modo, as histórias contadas pelas personagens escolhidas.
Crítica
Eduardo Coutinho é um dos maiores nomes do cinema nacional, independente de classificação, gênero ou especialidade. Ele faz cinema, e ponto final. E em seu mais recente longa-metragem, Jogo de Cena, isso fica muito claro: mais do que documentário ou ficção, esta é uma obra que faz uso com sabedoria dos elementos cinematográficos para criar algo único e original. É um verdadeiro artista, inquieto e surpreendente, que mesmo após já ter realizado alguns dos documentários mais impressionantes da cinematografia brasileira, como Cabra Marcado Para Morrer (1985) e Edifício Master (2002), continua ousando e indo atrás de novas experiências e significados. Metas que dessa vez foram plenamente atingidas.
A ideia toda é muito simples – e talvez esteja justamente aí, na simplicidade, o segredo de sua genialidade. Coutinho colocou um anúncio nos classificados de um jornal no Rio de Janeiro com a seguinte mensagem: “se você é mulher e tem alguma história para contar, compareça tal dia e tal horário em tal lugar. Nós queremos ouvi-la”. Resultado? Quase cem mulheres apareceram! Depois de conversar com elas e de uma triagem ser feita, chegou a 23 histórias de vida diferentes. Elas foram entrevistadas no palco do Teatro Glauce Rocha, em junho de 2006. Depois, estes relatos foram transcritos e entregues, sem observações de ritmo ou maiores orientações, à atrizes conhecidas, como Marília Pêra, Fernanda Torres e Andréa Beltrão, ao lado de outras não tão famosas, que receberam a tarefa de interpretar o que estava escrito no papel. Depois de filmadas, Coutinho se sentou com elas e começou a conversar sobre a origem da atuação que cada uma demonstrou, o que as instigou a seguir por um caminho ou outro e como elas encararam este desafio.
Agora, ponto chave no filme é que ele só é finalizado diante o espectador. E isso porque sua edição é fundamental dentro deste jogo. No início da projeção acompanhamos a pessoa real e logo em seguida a intérprete oferecendo a versão dela da mesma história. Só que aos poucos esta ordem vai se misturando, até o momento em que não sabemos mais o que é real ou o que é ficção. Aquela mulher viveu realmente isso que está dizendo, ou está somente oferecendo a sua versão dos fatos? Aquela atriz está apenas atuando ou, por outro lado, se revelando por completo? Quais os segredos de uma interpretação bem feita, o quanto esta pode ser influenciada ou não pelo olhar do diretor e até onde vão as barreiras entre mentira e ilusão, percepção e fidelidade, verossimilhança e fantasia.
Se há uma conclusão que pode ser obtida em Jogo de Cena é que a realidade é muito mais absurda do que a ficção. Uma precisa se fazer valer dentro de parâmetros pré-estabelecidos, para que o público acredite. Não pode haver dúvida. Já a vida real é totalmente desprovida de lógica, sendo que tudo pode acontecer a qualquer momento, bastando para isso um protagonista disposto a fazer o seu enredo um pouco diferente dos demais. E Eduardo Coutinho tem plena noção destas fronteiras. Documentarista ou ficcional, este é um cineasta em pleno domínio de sua forma e conteúdo, capaz de surpreender com o mais óbvio e banal. Um verdadeiro gênio, daquele tipo cada vez mais raro e precioso.
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