Crítica


5

Leitores


2 votos 6

Onde Assistir

Sinopse

Aos 18 anos de idade, muitos anos antes de se tornar o tirânico Presidente de Panem, Coriolanus Snow vislumbra uma mudança de vida ao ser escolhido como mentor de Lucy Gray Baird, garota tributo do empobrecido Distrito 12.

Crítica

Após quatro longas que foram do regular ao frustrante, a saga Jogos Vorazes ganha, quase uma década depois, uma sobrevida com esse Jogos Vorazes: A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes. É o típico caso que, de onde menos se espera, e daí mesmo que nada surge – ou quase isso. Afinal, este quinto capítulo do universo criado por Suzanne Collins chegou aos cinemas sem exageradas expectativas – afinal, quem tinha saudades desta distopia na qual jovens são mortos aleatoriamente em ringues mortais para a diversão (e masoquismo) de plateias cansadas de lutar? – e, talvez por isso mesmo, com o pouco que alcança garantiu um mínimo de satisfação. Como se vê, trata-se de uma avaliação relativa. Não chega a ser bom, mas como poderia ser muito pior, já está mais do que razoável. A questão é que esta é, enfim, uma prequel – ou seja, seus eventos se passam antes do que já fora visto – com duas missões bastante distintas (a saber, não apenas resgatar qualquer resquício de nostalgia existente, como também introduzir uma nova proposta capaz motivar uma leva de seguidores recém-chegados). Se alcança seus intentos, bom, eis o maior dos debates.

Apesar do protagonismo exacerbado de Katniss Everdeen (Jennifer Lawrence) na quadrilogia original, em detrimento de suas contrapartes masculinas, a dupla Peeta Mellark (Josh Hutcherson) e Gale Hawthorne (Liam Hemsworth) – que serviam basicamente para disputar, por diferentes estilos e métodos, o coração da mocinha, recriando sem muito esforço o mesmo conflito da saga Crepúsculo – desta vez a história a ser contada é a de um homem, o único personagem já conhecido e que agora o espectador é convidado a descobrir de onde ele veio: o presidente Snow. Revisitá-lo não se mostra uma tarefa árdua, muito graças à interpretação hipnotizante do veterano Donald Sutherland, uma das poucas performances dignas de nota nas produções originais. Quando os tais Jogos Vorazes estavam prestes a completar sua primeira década, a história aqui começa. Neste ponto, Snow é pouco mais do que um adolescente, vivido por um quase irreconhecível Tom Blyth (cujo papel de maior destaque até então havia sido em um episódio de A Idade Dourada, 2022). O rapaz de cabelos negros ressurge alourado ansioso por provar seu valor e deixar para trás a pobreza que vem consumindo os anos de glória de sua família. É sabido, enfim, como tudo isso terminará – e o posto que será seu no futuro. O foco aqui, portanto, não é para onde se dirige, mas como irá – e o que está disposto a fazer para – chegar lá.

Se o foco do filme fosse apenas esse, talvez justificasse a atenção que tão desesperadamente anseia. Mas o roteiro escrito por Michael Lesslie (Macbeth: Ambição e Guerra, 2015) e Michael Arndt (vencedor do Oscar por Pequena Miss Sunshine, 2007) não possui espaço – ou descanso – para dar conta de apenas uma tarefa, e num movimento que parece uma combinação entre a interferência da autora e o desejo dos produtores, outras linhas narrativas são agregadas a essa estrutura primeiro imaginada. A mais sólida é a de Lucy Gray (a cada vez mais impressionante Rachel Zegler, dominando os olhares a cada aparição), que, assim como Katniss, é escolhida como tributo do seu distrito e, portanto, deverá lutar por sua vida. A diferença dessa vez é que estes guerreiros involuntários não estão mais sozinhos, e agora contam com o apoio estratégico de um guia, um mentor que da sua eventual vitória poderá compartilhar, ainda que seu pescoço se mantenha a salvo (ao menos na maior parte do tempo). E no caso de Gray, aquele que deve orientá-la rumo à vitória é, obviamente, Snow.

Blyth e Zegler não formam uma boa dupla, e a química entre eles é frágil. Incapaz de se sustentarem como interesses românticos, eles funcionam melhor quando separados, principalmente por ela ser mais cativante, eclipsando-o sempre que se mostram juntos. Distantes, no entanto, essa conexão revela camadas capazes de despertar atenção. Afinal, cada um possui seus próprios motivos, sejam eles financeiros, sociais ou uma mera questão de sobrevivência. Porém, sob uma outra perspectiva, tudo que diz respeito à garota é descartável, previsível e de pálidos contornos. Está ali apenas para lutar e sair viva do cativeiro a que foi imposta, e não há dúvidas do seu sucesso nessa missão. Por outro lado, a maneira como Snow se comporta nos bastidores, as alianças – e traições – que realiza e também se desvia, guardam mais pontos de curiosidade do que vê-la fugindo de drones desajeitados ou escapando de gangues inimigas. Nesse ponto, a apatia do intérprete masculino ao menos é (em parte) suplantada por um bom time de coadjuvantes, que vão de Jason Schwartzman a Peter Dinklage (ambos em suas zonas de conforto, mas, ainda assim, cativantes), passando por aquela que é o verdadeiro destaque do conjunto: Viola Davis. A doutora Volumnia Gaul pode não ser a responsável pelos Jogos Vorazes (mistério esse que não se sustenta por muito tempo), mas é a mente sádica que o mantém vivo. O vislumbre que permite a essa personalidade doentia, ainda que envolvente, merecia maior destaque.

Mas, quando tudo se encaminhava para o desfecho há muito antecipado, Francis Lawrence (diretor de três dos quatro longas anteriores – ou seja, tem familiaridade com o assunto) toma uma decisão, no mínimo controversa. Ao contrário do que fizera com a adaptação do terceiro livro, tendo-o dividido em dois filmes, dessa vez transforma o que poderia muito bem ter sido vendido como uma minissérie de três (ou quatro) episódios em um único longa-metragem de quase três horas de duração – o de maior duração da saga. A última hora, para se ter uma ideia, é praticamente um capítulo à parte, passando ao largo de um clímax esperado para gerar um novo contexto de desprezos e superações. A intenção, enfim, é óbvia: Snow é o vilão, e é preciso torná-lo detestável antes do acender das luzes. Mas essa reviravolta se dá apressada, mal construída, mesmo com todo o tempo que tinham em mãos. Assim, Jogos Vorazes: A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes faz dos tais embates sangrentos quase um adendo descartável, um capricho dedicado aos fãs mais exigentes, enquanto que suas intenções se dirigem, de fato, aos pássaros e às serpentes do título. Tivesse ficado apenas nesse duelo, os envolvidos só teriam a ganhar. Exemplo, portanto, de interferência que visa um preciosismo (seja autoral ou financeiro) que, em última instância, termina por jogar contra o que se pretendia. Bola fora.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
avatar
é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.

Grade crítica

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *