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Sinopse

John Wick precisa fugir de dezenas de assassinos e tem afixado o valor de $14 milhões por sua cabeça. Ele está banido do único lugar onde tinha proteção, o Hotel Continental, pois descumpriu a única regra entre os assassinos – matou dentro do estabelecimento.

Crítica

Centrado num personagem que caiu amplamente nas graças do público, John Wick 3: Parabellum é absolutamente ciente da mitologia à qual confere desdobramentos. Essa autoconsciência, já evidente em John Wick: Um Novo Dia Para Matar (2017), aqui funciona como parâmetro essencial à manutenção da singularidade da saga, um pilar celebrado frequentemente pela via da reverência à iconografia gradativamente construída ao longo dos filmes e aqui identificada. Não à toa, o cineasta Chad Stahelski apresenta com ares de ritual tudo o que diz respeito às idiossincrasias desse seu mundo hiper-realista, como as breves transições pelo escritório repleto de homens e mulheres com tatuagens e piercings, em que o antigo e o novo convivem harmoniosamente, se complementando, onde as decisões de vida e morte se disseminam mundialmente. O realizador sublinha a simbologia dos objetos, tais como insígnias, moedas e demais elementos que carregam significados implícitos. De forma semelhante, as regras continuam no patamar da imprescindibilidade. De quebra, Anjelica Huston em cena oferece uma nova camada ao protagonista John Wick (Keanu Reeves).

Continuando exatamente no ponto terminal do longa-metragem pregresso, John Wick 3: Parabellum mostra o sujeito então excomungado da fraternidade correndo contra o relógio para minimamente se preparar à tormenta que logo cairá sobre sua cabeça. O fato de outrora ter executado alguém dentro do hotel Continental de Nova Iorque sentencia o seu banimento da sociedade de assassinos e, concomitantemente, o coloca na mira de inúmeros colegas. O tempo, portanto, é fator vital ao enredo, especialmente no começo, em que John se desloca pressionado pelo funcionamento dos ponteiros que compassam sua espera rumo ao inferno. Deflagrando uma estilização que perpassa o todo, a fotografia e a direção de arte fazem a Big Apple ser semelhante a Hong Kong das telonas, com predominância de neons nas fachadas, sinais multicoloridos que afrontam com seu cintilar o breu das noites nas ruas cheias de gente. Aliás, a apropriação de determinados cânones fortemente cinematográficos, especialmente os concernentes aos filmes de ação, atravessam a trama central. O gênio Buster Keaton, citado em John Wick: Um Novo Dia Para Matar, também volta a aparecer.

John Wick 3: Parabellum exibe esse sujeito lutando, com as armas que ainda lhe cabem, contra uma articulação sócio-político-econômica que lhe fornecia guarida e recursos até a aparentemente inafiançável quebra dos pactos. O mais inteligente, no entanto, é não isolar John nessa derrocada inapelável, mas justamente mostrar que ele funciona como uma espécie de peça-chave no castelo de cartas da organização. Sua remoção gera o caos, colocando em xeque o funcionamento do sistema, vide a caçada da juíza vivida por Asia Kate Dillon aos aliados que, de algum modo, auxiliaram o matador na infração das normas inerentes ao intrincado arcabouço da Alta Cúpula. Voltando às menções cinematográficas, há desde rápidas piscadelas a fãs de faroeste ao forte apelo à tradição dos filmes orientais de máfia. Um dos grandes oponentes de John, Zero (Mark Dacascos), parece totalmente decalcado de uma produção B chinesa dos anos 80/90, algo que também pode ser estendido a seus muitos asseclas. Já que cinema é ação, Chad Stahelski faz deste espetáculo ultraviolento uma ode ao movimento, com espaços para uma igualmente referencial lenda dos desertos.

As coreografias de embate são um capítulo à parte no que tange ao detalhamento e à veemência da produção. Responsável por John falar não mais que umas 30 palavras durante o filme inteiro (ele é um homem de atos), a consecução de batalhas corporais e/ou bélicas é realmente impressionante, não apenas pela organicidade com que se integra aos momentos dramáticos, mas pela plasticidade vistosa. Nesse sentido é difícil pinçar apenas uma das intensas sequências de confronto, mas a co-protagonizada pela personagem de Halle Berry e dois pastores alemães salta aos olhos em virtude da complexidade. Chad Stahelski amplia as dinâmicas hiper-realistas presente nos capítulos anteriores, ressaltando improbabilidades – essenciais à edificação do mito –, mas mantendo em evidência expedientes cuja função é denotar o esforço hercúleo em voga, vide o recarregar das armas em meio a tiroteios nababescos, nos quais John claramente dispara mais que o necessário. Com boas reviravoltas e uma mobilidade resultante da convergência entre os empenhos físico e emocional, John Wick 3: Parabellum é marcado por mortes brutais e manifestações diversas de amor pelo cinema.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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