Crítica
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Sinopse
Depois de vencer mais uma batalha em 303 D. C., Jorge é condecorado enquanto Diocleciano inicia sua última grande perseguição aos cristãos no Império Romano. Jorge se vê diante de seu maior desafio ao testemunhar as crueldades impostas ao povo.
Crítica
Num primeiro momento, parece estapafúrdia a ideia de um filme brasileiro épico ambientado na Capadócia no ano de 300 D.C. e protagonizado pelo soldado transformado num dos santos mais populares do catolicismo. Se essa iniciativa fosse norte-americana, talvez não gerasse tanto estranhamento. Mas, por quê? Sendo o centro industrial do cinema mundial, os Estados Unidos assumiram uma espécie de direito auto-outorgado de contar todas as histórias do mundo, não importando o quão longínquas geográfica e culturalmente estejam da América do Norte. Nesse panorama, parece que cada cinematografia comercialmente periférica tem legitimidade apenas sobre as tramas situadas em seus domínios. Então, uma iniciativa como Jorge da Capadócia é, de cara, bem-vinda por quebrar paradigmas continuamente perpetuados. Ainda dentro dessa perspectiva, por que nos incomoda tanto ouvir um sotaque declaradamente carioca nas falas dos soldados do Império Romano e sequer fazemos tantas objeções quando os centuriões dizem as suas falas em inglês? Se defendemos o direito amplo, irrestrito e universal à representação, por que embarcaríamos nessa impressão inicial de que um filme sobre São Jorge com acento brasileiro é tão estapafúrdio assim? O enredo é protagonizado por Jorge (Alexandre Machafer, também o diretor da obra), promovido quando o imperador decreta a perseguição aos cristãos.
Jorge é cristão e desde o começo fica desconfortável com a missão de caçar seus irmãos de fé. Alexandre Machafer demonstra até onde o imperador Diocleciano (Roberto Bomtempo) está disposto a ir quando o apresenta torturando um dos seus líderes militares igualmente indignados com a obrigatória violência contra os cristãos. Jorge da Capadócia é uma produção que se esforça para tornar críveis a ambientação, a direção de arte e as interações dos personagens, bem como as emoções em jogo nesse drama religioso. Com locações na Capadócia, o longa-metragem alterna cenas externas em lugares históricos (deslumbrantes visualmente) e sequências internas feitas em estúdio. Em que pensem as dificuldades financeiras para viabilizar uma produção desse tamanho, com figurinos realistas, arte custosa e diversos personagens, a qualidade imagética do filme cai bastante nas tomadas feitas em estúdio. A bem da verdade, o realizador também acaba não conseguindo aproveitar como poderia a suntuosidade dos cenários naturais, quando muito fazendo deles belas paisagens que servem unicamente como cartão postal nas transições. Enquanto vai desenhando o protagonista como mártir católico disposto a arriscar tudo em prol da fé, Alexandre lida como pode com as restrições, inclusive optando pela decupagem (a divisão das cenas em planos) conservadora, em muito semelhante as das produções televisivas do filão.
Se formos pensar em termos de adequação a gêneros e modelos cinematográficos, Jorge da Capadócia é mais um melodrama religioso do que um épico histórico. Isso porque não há tanta ênfase na grandiosidade das coisas, por exemplo, no tamanho da insurreição católica diante da opressão romana ou mesmo na importância de Jorge para uma população impedida de exercer a sua fé. Falta ao roteiro de Matheus Souza um senso de proporção, talvez algo apenas possível com mais verba à disposição da equipe. No entanto, essa ausência de volume também está presente nas interações pessoais, no modo como as relações são costuradas e na resposta dos personagens aos eventos capazes de mudar drasticamente os destinos de todos. Voltando à decupagem, Alexandre Machafer privilegia os planos médios e fechados, raramente abrindo a câmera para situar os personagens dentro de um panorama pictórico maior que os apequene visualmente, por exemplo. Por isso anteriormente neste texto foi feita menção a uma decupagem televisiva, já que as produções bíblicas feitas diretamente para a telinha se utilizam muito desse tipo de espacialidade restrita – que pode enfatizar o aspecto humano, mas também serve para contornar certas dificuldades de produção, como a impossibilidade de construir um cenário tão elaborado para as cenas, mesmo as mais importantes para o desenrolar das histórias.
Como melodrama religioso, Jorge da Capadócia tem méritos, pois consegue enfatizar o heroísmo do protagonista, a disposição para lutar contra gigantes a fim de preservar a crença, além de valorizar os esforços daqueles que resistem à tirania do imperador. No entanto, à medida que vai deixando o soldado de lado e se focando na figura a ser santificada, ou seja, quando coloca a disputa política em segundo plano para edificar uma homenagem efetiva ao fazedor de milagres, Alexandre Machafer patina ainda mais por conta dos discursos simplistas. Cercado por figuras arquetípicas, como o vilão escancarado Diocleciano e o seu conselheiro de língua ferina, Octávio (Ricardo Soares), o santo Jorge interpretado de modo quase solene se transforma efetivamente num mártir. E ele vale o quanto pesa a sua capacidade de resistir às investidas agressivas do Império Romano. Mas, e o tal dragão? Aqui o animal é lido como uma metáfora dos perigos enfrentados por esse soldado posteriormente canonizado, criatura análoga ao imperador e a sua política de intolerância religiosa. Bem representado por meio de efeitos visuais, o ser mitológico apenas soa menos crível quando divide a tela com Jorge, portanto, assim que digital e orgânico precisam conviver. De resto, ele não deve nada a seus semelhantes estadunidenses feitos com muito mais dinheiro. O resultado dessa empreitada corajosa pode até não ser integralmente empolgante, mas levanta ótimas questões a se pensar e merece reconhecimento pela valentia.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
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Marcelo Müller | 6 |
Robledo Milani | 5 |
Alysson Oliveira | 1 |
MÉDIA | 4 |
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