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Crítica

Não sei exatamente por quanto tempo a câmera permanece imóvel na cena que abre Jornada ao Oeste, talvez cinco minutos ou mais, nos quais vemos apenas o rosto do ator Denis Lavant. O único movimento constante é o batimento cardíaco aparente na artéria em seu pescoço. Ele, portanto, está vivo e pelo visto à beira mar, já que ouvimos sons da rebentação e de gaivotas ao longe. De vez em quando, expressões ameaçam se libertar daquela máscara praticamente petrificada. A imagem assume outras morfologias em virtude do nosso olhar constante, assim como a palavra repetida à exaustão perde seu significado original, assumindo um caráter abstrato.

Logo depois, um monge (Lee Kang-sheng) é visto caminhado no limite entre a inércia e o movimento. Acostumados que estamos com a naturalidade dos passos ligeiros, não encontramos facilidade em seguir jornadas de centímetros percorridas em minutos. Parece que a serenidade daquele que vaga lento por Paris, de cabeça baixa e em profunda meditação, quebra um fluxo natural, surgindo como anomalia na paisagem feita de gente que não tem mais tempo. Certamente há quem não aguente tanta contemplação aparentemente despida de qualquer significado, e se renda antes mesmo do fim.

Não há muito mais o que dizer do filme, pois ele não possui de fato um enredo. Se antes o monge percorria lugares desertos, só seus, quase deslocados da realidade, logo o cineasta Tsai Ming-liang o coloca em contraste com a cidade, por exemplo, descendo paulatinamente uma escada que serve à pressa dos demais, destoando, assim, do entorno incessante. Lavant aparece novamente lá pelas tantas, imitando os passos do monge, como que trazendo a experiência insólita para o nível dos “mortais”, ainda que o faça de maneira desajeitada, intencionalmente nunca alcançando a perfeição do movimento alheio.

Repito, não é fácil seguir sem incômodo mesmo os poucos 56 minutos de Jornada ao Oeste. Ming-liang radicaliza a desaceleração de seu personagem central para mostrar a nós mesmos a possibilidades do olhar, do nosso olhar. Habituados que estamos a mirar e não ver, somos obrigados a exumar as imagens, a aquietar nossa ansiedade diante do ritmo imposto pela (nova) morfologia delas. O monge de vermelho é quase uma entidade surgida para apontar outros ritmos, outras maneiras não apenas de mover-se literalmente no mundo, mas e, sobretudo, de contemplar o movimento alheio com uma percepção menos deformada pela efemeridade do cotidiano.

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