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Crítica


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Sinopse

No ano de 1939 alguns espanhóis fogem da ditadura rumo à França. Entretanto, eles acabam confinados num campo de concentração, privados de liberdade e de elementos cotidianos essenciais. Josep Bartoli, famoso ilustrador, acaba desenvolvendo amizade com um dos guardas.

Crítica

Um pouco antes da entrada da França na Segunda Guerra Mundial, o país acolheu refugiados espanhóis que escaparam do cerco à cidade de Barcelona. Em vez de uma ajuda humanitária apropriada, o país confinou homens, mulheres e crianças em campos de concentração, não se distanciando do tratamento oferecido pelos alemães do Terceiro Reich aos judeus por eles entendidos como escória indigna de compaixão. Josep conta essa história a partir da perspectiva de um homem prestes a morrer, alguém que no presente olha para esse passado longínquo com uma enorme melancolia residual. No que diz respeito à estrutura do roteiro, estamos diante de uma bastante convencional, repleta de lugares-comuns, sobretudo quando o assunto é justamente a rememoração de passagens aterradoras relativas a conflitos sangrentos e seus estilhaços permanentes. Serge (voz de Bruno Solo), já debilitado pela idade (e quiçá por alguma doença não mencionada) conta o episódio para seu neto, de quem pouco se lembra. Assim, temos alguém funcionando como ponte esclarecedora à nova geração, mas aqui sem que isso provoque alguma coisa para além do neto jovem conhecer melhor o seu avó.

O desenvolvimento não é diferente do visto em inúmeros filmes semelhantes. Serge, então um jovem soldado encarregado de patrulhar para os prisioneiros não escaparem, é o único fardado que demonstra compaixão pelos espanhóis. Seus colegas são agressivos, desumanos, frequentemente utilizando a posição privilegiada naquela dinâmica para agir tão odiosamente quanto os nazistas que um pouco à frente fariam da Europa um campo de batalha repleto de corpos e desespero. Mas, ele se encanta pela sensibilidade de Josep (voz de Sergi López), desenhista que registra os eventos extremos do cotidiano privado de liberdade. O forasteiro acalenta o desejo de reencontrar a esposa grávida, deixada para trás em virtude da necessidade de sobreviver. De modo previsível, a sentinela e o cativo se aproximam aos poucos. Nesse percurso inexiste a ideia de transformação, pois Serge não fornece informações para sabermos se em algum momento compactuou com os preceitos das autoridades francesas ou mesmo dos colegas aparentemente bem mais alinhados com as ordens compostas de vigiar e punir. Assim, ele fica restrito a ser a testemunha dos horrores que se arrisca para subverter a ordem.

O diferencial de Josep, ainda que não plenamente explorado pelo cineasta Aurel, é a expressividade dos traços da animação e como os desenhos do espanhol são utilizados enquanto indícios da visão dele sobre a situação exasperante. A exuberância dos cenários advém não da harmonia dos traços, do equilíbrio das cores visando uma experiência saborosa, mas exatamente desse conjunto criativo pensado em prol do desconforto. São ressaltados os traços da fome, da doença, dos inúmeros infortúnios sofridos pelos espanhóis nos campos de concentração. Um exemplo disso é o contraste entre os meninos que tentam atrair o cãozinho da vizinhança e a dona do animal, a menina que brinca livre e despreocupadamente nas proximidades. Os pequenos prisioneiros são descoloridos, não indo muito além de contornos parcamente elaborados, como se as suas existências estivessem se esvaindo por conta de toda aquela miséria. Já a francesinha é uma imagem repleta de nuances, o que denota a vivacidade expurgada dos exilados obrigados a vivenciar tamanha atrocidade, quando deveriam estar basicamente por aí, brincando com pipas, de pega-pega e não se alimentando de estimação.

Pena que Josep não demonstre dramaturgicamente a mesma acuidade da sua concepção visual. Um elemento francamente desperdiçado é a volatilidade da memória de Serge, o idoso que às vezes mistura fatos e elucubrações, noutras se esquece do neto que ouve atentamente as histórias à beira da cama. Aurel não utiliza essa potencialidade para exacerbar a confusão entre o que verdadeiramente aconteceu e o retrabalhado pela memória, inclusive, para que se tornasse menos pesado o fardo a ser carregado vida afora. O delírio com relação à aparição fantástica do vulto de Frida Kahlo flutuando nas cercanias do cativeiro é um desses momentos em que ele permite poesia até à senilidade. No mais, acompanhamos uma trama de solidariedades sendo formada subterraneamente entre perseguidos – há uma inclusão interessante (mas insuficiente) dos imigrantes tunisianos nesse panorama – e protagonizada pelo francês que representa a parcela da nação indisposta com o autoritarismo de tipos como os colegas semelhantes a porcos. De certa forma, ele se torna um símbolo romântico e idealizado da França colaboracionista, levado pelas conjunturas, mas essencialmente bom, ao ponto de colocar-se em risco para defender o inesperado amigo estrangeiro que está em apuros.

Filme visto online no 11º MyFrenchFilmFestival, em fevereiro de 2021.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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