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Sinopse

Depois de meses de trabalho, o jornalista Ricardo finalmente chega à fase final de sua pesquisa de doutorado a respeito das escravas brancas no Rio de Janeiro, também conhecidas como Polacas. Traficadas do leste europeu para o Brasil, as jovens judias eram levadas a acreditar que se casariam, isso até serem levadas direto para prostíbulos.

Crítica

Qualquer manual mais básico de roteiro informa que, se uma arma aparecer em cena, em algum momento ela deverá ser usada. Ou seja, algo tão chamativo, não pode ser empregado levianamente durante uma narrativa ficcional, pois de outra forma ela irá criar apenas um ruído, gerando uma expectativa em que não chegará a se concretizar. Em Jovens Polacas, há uma sequência, lá pela metade da trama, em que o ator Emílio Orciollo Netto, que interpreta um jornalista em busca de informações para uma pesquisa de doutorado, senta-se à mesa, em sua casa, para revisar as anotações do dia. No entanto, o que mais chama atenção é o fato da mesinha de cozinha utilizada estar totalmente bamba, sendo que a cada movimento do intérprete, ela balança de um lado para outro. Serviria essa informação para acrescentar algo ao personagem, ou seria apenas o caso de uma direção de arte equivocada, que oferece dados visuais que em nada colaboram com a história a ser contada? Infelizmente, o segundo caso parece mais apropriado.

Pouco antes dos créditos finais, quando o longa está prestes a se encerrar, uma informação surge em cena para afirmar que se trata de uma “adaptação livremente inspirada no livro homônimo de Esther Largman”. Se a opção foi por não ser uma transposição rígida, por que o espectador é convidado a acompanhar a veterana Jacqueline Laurence praticamente recitando trechos do livro, em depoimentos que, ao invés de invocar o lirismo da obra literária, soam apenas declamados e artificiais? A atriz não está em cena para exercer seu talento dramático, pois ao invés de se posicionar a serviço do drama que se desenrola através dos seus relatos, o que se verifica é um exagero vinculado a uma pompa e circunstância que, por sua vez, estão atreladas a uma ideia que, infelizmente, nunca chega a se apresentar de forma concreta.

Ricardo (Orciollo Netto, apático) entrevista a sra. Mira (Laurence), pois, está interessado na chegada de imigrantes judeus, vindos da Europa, no início do século XX. Algo nos relatos dela, no entanto, lhe desperta curiosidade: o caso das ‘escravas brancas’, ou seja, jovens que vieram ao Brasil sob promessas de casamentos felizes e uma realidade de abundância, mas ao chegarem aqui foram obrigadas a abandonar suas famílias e trabalhar como prostitutas. Ou seja, o caso não é exatamente novo, e se tal prática permanece até hoje, com o tráfico de mulheres sendo motivo de denúncias e investigações, o que espanta é como a sociedade brasileira da época recebia sem grandes ressalvas tais destinos, graças a uma falsa moral de uma sociedade majoritariamente religiosa e conservadora. As garotas eram vítimas, mas acabavam pagando o preço como se culpadas fossem.

A recriação desse Rio de Janeiro de um século atrás, por mais tímida que seja, se revela convincente graças a uma fotografia estudada, que privilegia rostos, cenários e intimidades, e uma edição que alterna momentos de ligeira esquizofrenia com transições bastante suaves, servindo tanto ao propósito de evidenciar na tela o que se passava com essas meninas, assim como fluir os acontecimentos entre uma situação temporal e outra. Por outro lado, a trilha sonora, intrusiva e insistente, mais incomoda do que colabora com o desenvolvimento de emoções e sentimentos que seriam fundamentais para melhor se aprofundar nos dilemas vividos pelas protagonistas. Sarah (Lorena Castanheira, que estava também no longa anterior do mesmo diretor, Christabel, 2018) é a que mais sofre com esses desníveis, ora colocando em evidência cacoetes linguísticos mal elaborados, ora se apossando da força das imagens de ilustra para exaltar o futuro que lhe aguarda. Tanto é que não chega a ser mistério a ligação entre passado e futuro, uma vez que o próprio desenrolar dos fatos se encarrega de estabelecer essa conexão.

Para cada acerto verificado em Jovens Polacas, como a luminosa passagem com Berta Loran em uma casa de repouso para idosos, há um deslize, como a participação constrangedora de Flávio Migliaccio tentando defender uma figura alegórica, dona de um sotaque tão falso quanto carregado, que só piora quando sua versão jovem aparece em um flashback – e falando num português limpo e correto! A despeito de cada um destes percalços, suficientes para fazer do conjunto uma obra irregular, há de se ressaltar o estudo e a evidente vontade de não trilhar caminhos óbvios, esforçando-se para sair do ordinário e tornar essa abordagem válida não apenas pelo discurso de denúncia, por si só já relevante, mas também pela forma como o apresenta, revelando apreço tanto pela palavra como pelo apelo imagético. Entre (alguns) mortos e (muitos) feridos, há algo que perdura além dos tropeços, o que é mais do que pode ser dito a respeito da grande maioria dos seus similares.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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