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Sinopse

Durante seis anos a jovem Savannah Knoop fingiu ser J.T. LeRoy, personagem criada por sua cunhada, uma escritora independente de São Francisco. As duas conseguiram enganar o mercado literário e a elite de Hollywood.

Crítica

Você já ouviu falar de J.T. Leroy? Ou melhor, já leu algum dos seus livros? Uma resposta afirmativa para qualquer uma dessas duas questões não seria nenhum absurdo. Mas e sobre Laura Albert, o que pode ser dito a respeito? Quem a conhece? E mais: quem está familiarizado com sua obra? Nesse caso, encontrar alguém próximo do seu trabalho pode ser mais difícil... ou não. Afinal, J.T. Leroy e Laura Albert são a mesma pessoa. Quer dizer, foram, pois uma usava a personalidade da outra, a segunda se escondia por trás de um rosto e um nome que não eram seus. Como a farsa não se sustentou por muito tempo, foi necessário acabar com o primeiro, e apenas a segunda ressurgiu, como fênix das cinzas, não sem deixar consequências pelo caminho. É essa trajetória de ilusão, mentira e descoberta que é narrada em J.T. Leroy: Escritor Fantasma, mas esse olhar é exercido de forma tão atabalhoada que, ao invés de estimular o espectador a respeito do mistério que deveria ser esmiuçado, apenas embaralha ainda mais a situação.

Quando Savannah (Kristen Stewart, fazendo da preguiça um modo de atuar) chega para passar alguns dias com o irmão, Geoff (Jim Sturgess, sem tempo em cena para justificar seu envolvimento), é a namorada dele que se encanta pela garota. Laura (Laura Dern, a única do elenco merecedora de atenção) é uma artista no conceito mais amplo do termo: escreve, canta, compõe, pinta, dança. E, evidentemente, atua. Aliás, ela está sempre interpretando, e é justamente por isso que saber ao certo quem é a pessoa – ou seria personalidade – que decide apresentar ao mundo a cada dia é um mistério a ser resolvido cotidianamente. Quando um dos seus trabalhos começa a despertar curiosidade – o livro Sarah, supostamente autobiográfico, mas tratado como ficção, pois narra as desventuras de um garoto criado em lares de adoção e que levou uma juventude entre a prostituição e o envolvimento com drogas – ela sente um bloqueio, um misto de deslumbramento, por estar sendo, finalmente, ouvida (ou lida, no caso), mas também se retrai, pois a arte que acredita é aquela feita para si, e não para os outros.

É por isso que, quando convidada para tirar uma foto, decide se esconder. A solução encontrada – afinal, não poderia permanecer incógnita para todo o sempre – é usar uma imagem qualquer, um disfarce, e a escolhida para desempenhar tal papel é justamente a recém-chegada Savannah. A essa a proposta parece estranha no começo, mas também é vista sem maiores perturbações – além de um favor inconsequente, é uma grana fácil que ganhará por um trabalho que, ao menos para ela, não terá repercussão. Ou, ao menos, é o que pensa quando aceita posar no lugar da outra. Porém, tal qual uma bola de neve, a situação vai tomando proporções cada vez maiores. De uma foto, logo é uma entrevista, para depois uma sessão de autógrafos, e quando se vê está diante de uma turba de jornalistas em uma coletiva no outro lado do Atlântico. E se a mentira levada como brincadeira de uma hora para outra estará fugindo do controle das duas, a questão que passa a incomodá-las é o quanto essa entidade chamada ‘J.T. Leroy’ é uma criação delas, ou a criatura que já tomou as rédeas da situação?

Há um debate pertinente em J.T. Leroy: Escritor Fantasma que, nas mãos de um profissional mais experimente e menos afeito ao sensacionalismo, talvez pudesse ter rendido algo digno de nota. Mas quem está no comando é Justin Kelly, realizador dos potencialmente polêmicos, porém tão vazios quanto imaginados, Eu Sou Michael (2015) e King Cobra (2016). Assim como na história do ativista gay que se torna militante evangélico após afirmar ter sido ‘curado’ de sua homossexualidade, ou na visão sobre o astro adolescente que acaba envolvido com a indústria pornô, aqui ele também parte de uma premissa no mínimo curiosa, mas a desperdiça por não trilhar caminhos bem estruturados e nem tomar os mínimos cuidados para evitar clichês óbvios em nome de soluções fáceis. Portanto, ao invés de dirigir seu olhar a esse conflito de identidade e a suposta percepção artística dos consumidores de cultura que terminam por confundir a obra com aquele que a gerou, e o quanto essa ligação realmente é fundamental para a fruição de uma ou outra, ele prefere se ocupar com os relacionamentos lésbicos da protagonista ou os chiliques ciumentos da autora que se vê em um segundo plano por não conseguir assumir a responsabilidade pelo que faz.

Há também o elemento verídico, que se revela crucial para o desenrolar dessa história, justamente por sua proximidade com o cenário cinematográfico. Quando uma cineasta se interessa em adaptar Sarah para o cinema, está se falando de Asia Argento e de seu filme Maldito Coração (2004). A versão que Diane Kruger oferece da diretora e atriz é no mínimo capenga, pois baseada apenas em percepções superficiais, sem poder se aprofundar na personagem, uma vez que sua citação é meramente circunstancial. E assim Stewart faz de sua Savannah uma figura quase apática, que oscila entre a carência desmedida e o não importar inconsequente, medidas quase incompreensíveis, ainda mais para aquela que estava, mais do que qualquer outra, no meio do furacão. J.T. Leroy: Escritor Fantasma poderia ser a chave de entrada para um enigma que ainda perdura, mas acaba se portando de forma comedida diante do mito que afronta, incapaz de ir além da sombra que esse gerou. E é nessa irrelevância que termina por enterrar todas as suas possibilidades.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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CríticoNota
Robledo Milani
4
Lucas Salgado
5
MÉDIA
4.5

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