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Sinopse

Assassinado pelo FBI quanto tinha 21 anos, Fred Hampton foi um dos nomes mais proeminentes do Partido dos Panteras Negra. Um pequeno criminoso chamado Bill O’Neal foi coagido a entregar o ícone em nome do bureau.

Crítica

Há dois personagens importantes em Judas e o Messias Negro. De um lado, Fred Hampton (Daniel Kaluuya), uma das lideranças do Partido dos Panteras Negras, sujeito que arregimenta multidões com seu dom oratório capaz de inflamar e instigar a massa. A equivalência com Jesus (o messias do novo testamento da bíblia cristã) confere a ele previamente as tintas trágicas. Disposto a doar a vida para libertar seu povo, está fadado a uma crucificação moderna, mas não como parte de um plano divino para expurgar os pecados do mundo. O sacrifício resulta da brutalidade do status quo. Do outro, Bill (LaKeith Stanfield), o delator, o Judas, o levado a infiltrar-se na organização considerada subversiva e perigosa pelo FBI. Seu dilema moral tende à complexidade, pois, mesmo indiciado por roubo e falsidade ideológica, a traição à luta não é um preço muito maior a pagar do que os anos trancafiado? Contudo, o cineasta Shaka King não se aprofunda nessas questões, deixando impasses na superficialidade. Surgem várias demonstrações de quase arrependimento, hesitações, mas nada que torne intenso esse turbilhão emocional. Entre o coletivo e o pessoal, existe uma incerteza.

O realizador lança mão de pequenas elipses – omissões de informações compreensíveis pelo contexto – para evitar, por exemplo, de lidar com a aproximação entre Bill e a cúpula do Partido dos Panteras Negras. Num instante, vemos o agente Roy (Jesse Plemons) recrutando o meliante e oferecendo-lhe o caminho das pedras para achegar-se de Fred. No subsequente, o infiltrado já está enturmado, logo valendo-se do carro emprestado para se tornar ainda mais útil e próximo do mandachuva. Tudo acontece rápido demais. Essas supressões afetam sobretudo os contornos dramáticos de Bill, pois roubam terreno da apresentação de suas características pessoais. Ele conquista a confiança dos novos colegas (que ignoram suas verdadeiras intenções) porque é esperto ou simplesmente em virtude de qualquer outra coisa? Enquanto isso, a construção de Fred é bem mais repleta de nuances, o que permite a Daniel Kaluuya apresentar novamente um desempenho notável. Ele é o homem que encarna a luta em andamento, mas também o namorado e futuro pai que precisa lidar com as várias demandas pessoais diante da morte. As cenas dele discursando são realmente impactantes e incisivas.

Judas e o Messias Negro tem uma grande história contada sem tanta veemência. As partes possuem mais valor separadamente, ou seja, falta um senso de conjunto e a habilidade para entremear os aspectos do enredo. A sequência do cerco policial à sede do Partido dos Panteras Negras é uma das mais tensas, mas seus resíduos são passageiros. Enquanto Fred fica cada vez mais a mercê da conspiração montada para assassiná-lo sorrateiramente, Bill é tragado por uma culpa não tão bem investigada. Ele demonstra dúvidas quanto ao que vem fazendo, se vê encantado pelos valores apregoados pela organização perseguida, mas logo volta a negociar com o agente que lhe serve de ponte com o FBI. Não há tantos matizes nesse jogo de gato e rato. Basicamente, um tenta sobreviver e o outro oscila entre a transgressão em nome do governo (paradoxo e tanto, embora não desenvolvido como tal) e a vontade de abraçar a causa. Mas, a reviravolta nunca vira ameaça. Em nenhum momento Bill parece disposto a sacrificar-se em prol da causa a sabotar, permanecendo fiel à deslealdade.

Assassinado em 1969, numa década que testemunhou ainda as execuções públicas de Malcolm X e Martin Luther King, Fred Hampton foi outro ícone tirado do caminho dos signatários de um projeto de poder calcado na manutenção da marginalização e da miserabilidade da população negra. Assim como Jesus Cristo, crucificado por denunciar falsos profetas e corrupções, um defensor dos desvalidos, ele foi perseguido por poderosos que de fraternos não têm nada. Essa relação bíblica explicitada no título do filme se escancara pelos fingimentos de Bill e o pouco escrúpulo na hora de entregar aquele que o protegia, isso em troca de algumas notas de dinheiro e a absolvição de seus crimes. Judas e o Messias Negro reconstrói bem essa conjuntura sócio-política convulsionada pela reivindicação de grupos civis minorizados. Pena que não demonstre a mesma capacidade expressiva quando debruçado sobre as intimidades, frequentemente deixando passar oportunidades de elevar debates para além do “mereceu”, “não mereceu”, “devia” ou “não devia”. No filme há dois grandes personagens, mas apenas a Fred é dado o benefício de ser alguém complexo. A Bill sobra a mera função de denunciante. Suas ações evidenciam a crueldade do sistema que transforma irmãos em inimigos.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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