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Crítica


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Sinopse

Com a carreira em baixa, a estrela Judy Garland aceita estrelar uma turnê em Londres, em pleno inverno de 1968, por mais que tal trabalho a mantenha afastada dos filhos. Ao chegar, enfrenta a solidão e os conhecidos problemas com álcool e remédios, compensando o que deu errado em sua vida pessoal com a dedicação no palco, mas nem sempre conseguindo vencer velhos fantasmas. Inclusive os de Oz.

Crítica

Judy Garland (Darci Shaw) queria ser uma menina semelhante as demais, com direito a degustar batatas fritas, bolos e sair na companhia das amigas sem seguranças protegendo-a do furor dos tietes. Judy (Renée Zellweger), já uma lenda viva do cinema norte-americano, desejava, talvez mais que tudo, ter uma família regular, uma casa à qual voltar no fim do expediente. A menina/mulher é vítima do próprio talento, esse peso ambivalente, pois ela também se deleita com o calor emanante do público na sua direção. Em Judy: Muito Além do Arco-Íris a protagonista é esquadrinhada a partir de sua natureza trágica, dessa eterna insatisfação por não conseguir se desvencilhar integralmente das marcas deixadas pelas engrenagens moedeiras de uma indústria inescrupulosa. As cenas de Louis B. Mayer (Richard Cordery), então chefão da MGM, exercendo seu poder sobre a estrela de O Mágico de Oz (1939) são o que de melhor o filme tem nesse sentido de bastidores.

Judy: Muito Além do Arco-Íris é uma cinebiografia convencional, ainda que contradiga isso, levando-se em consideração a estrutura narrativa mais utilizada nesse filão, a opção por um recorte bastante específico da vida dela. A maior parte da trama se passa no inverno de 1968, quando a mãe de Liza Minnelli vai usufruir de seu prestígio na Europa, tentando ganhar em Londres o dinheiro que nos Estados Unidos lhe negam por conta de um histórico de controvérsias. Portanto, vemos esse verdadeiro símbolo de uma Hollywood ultrapassada evanescendo em virtude das consequências de anos de abuso e inadequação. As várias menções à utilização de medicamentos para inibição de apetite na infância, cujo efeito colateral direto é a disfunção do sono, mostram até que ponto a Meca do cinema estadunidense vai para erigir moradores ao seu Olimpo, não se importando se a pessoa por trás do mito está definhando. Nas mãos de um cineasta mais incisivo isso renderia muito.

Não que Judy: Muito Além do Arco-Íris se furte de colocar o dedo na ferida do mundo do entretenimento, mas o faz de forma pouco contundente, restringindo as experiências de Judy Garland nesse aspecto aos desmandos de Mayer no decorrer da produção de um dos grandes êxitos da MGM dos anos 30. Todavia, a protagonista ainda é entendida a partir dessa influência nefasta que a distanciou de uma meninice regular. Renée Zellweger mimetiza os trejeitos da artista, fazendo um trabalho excecional de “sumir” para dar lugar a essa personagem singular do showbiz norte-americano. Ela solta lindamente a voz quando o filme assim o pede, demonstrando também excelência nas várias passagens de fragilidade emocional. Mas, o conjunto limita a leitura dolorosa, principalmente por se valer de expedientes frágeis, tais como a tentativa de fazer de Mickey (Finn Wittrock), o último dos maridos, um resumo dos demais cônjuges, sobretudo no que tange ao seu caráter aproveitador.

Por se tratar dos derradeiros instantes de Judy Garland nos palcos – ela falecera pouco tempo depois das apresentações na capital inglesa –, Judy: Muito Além do Arco-Íris tem um clima de ocaso, um olhar triste ao instante crepuscular dessa carreira atravessada por problemas profissionais e de relacionamento. Infelizmente o cineasta Rupert Goold não revolve os tantos meandros dessas engrenagens torpes e, sequer, busca compreender o aspecto do gênero como fator determinante, pois, ainda bem menina, Garland precisava, inclusive, atender a padrões de magreza impostos como ideais. O filme somente tangencia esses tópicos, o suficiente para criar um painel legível do infortúnio de ser referência para o mundo, mas, concomitantemente, não dar conta de organizar finanças, elos afetivos e questões internas. Não fossem as concessões e o clímax próximo ao piegas, tivesse o diretor o ímpeto de chafurdar no mito, o filme poderia ensaiar voos bem maiores.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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