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Crítica


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Sinopse

Annie está presa em um relacionamento de longa data com Duncan, fã obsessivo do obscuro rockeiro Tucker Crowe. O companheiro dela chega a ser mais dedicado ao ídolo do que a ela. Quando uma demo em formato acústico do músico, sucesso há 25 anos, ressurge no meio musical, é ela que acaba em um encontro com o ardiloso cantor.

Crítica

Baseado no livro Juliet, Naked, de Nicky Hornby, Juliet: Nua e Crua é uma deliciosa comédia romântica sobre, entre outras coisas, as dificuldades intrínsecas à necessidade de assumir responsabilidades. A protagonista é Annie (Rose Byrne), inglesa que vive numa pequena cidade litorânea. Ela é aparentemente feliz no casamento com Duncan (Chris O'Dowd), professor obcecado por um ex-astro underground que sumiu do mapa no auge da carreira. Depois de desencontros banais, demonstrações de um desgaste insuspeito na relação que seguia meio em banho-maria, Tucker Crowe (Ethan Hawke), o mito “desaparecido”, surge como elemento inesperado via internet. Some essa novidade ao fato do marido atual sucumbir aos encantos de outrem e temos uma jornada de mudança em pleno curso. O flerte à distância, a desmitificação gradativa de uma vida que pouco tem de glamorosa e badalada – apresentando um caráter bastante prosaico – são componentes que perpassam um interesse mútuo, logo motor da aproximação insólita e benéfica aos dois.

A partir do momento em que Tucker entra propriamente em cena, Juliet: Nua e Crua passa a ser mais acerca dele, pois debruçado sobremaneira nas inconstâncias sentimentais e amorosas desse personagem que exibe ojeriza diante de qualquer comprometimento. Uma vez que o primeiro terço do longa-metragem oferece praticamente tudo o que precisamos saber sobre Annie, o roqueiro desiludido com a música, pai negligente que começa a dar sinais de arrependimento, ganha a posição de destaque, sendo então centralizado. Obviamente, o que torna Annie e Tucker próximos é a chegada à encruzilhadas encarregadas de “separar” os adultos dos eternos adolescentes. Para ela, isso é o chamado da maternidade, algo até ali impensável. Para ele, a urgência de estabelecer laços com sua prole, de demonstrar afeto semelhante ao que dirige (apenas) ao caçula Jackson (Azhy Robertson). Embora sejam um tanto taxativa as premências de ambos, o percurso conjunto é construído com sensibilidade.

O primeiro acerto da produção é a escolha do elenco principal. Rose Byrne sai-se muito bem como a mulher na casa dos 30 anos que se deixou levar pela paixão alheia, negando as suas. Ela não exagera nas transições, ajudando a manter as viradas no âmbito da organicidade. Chris O'Dowd, por sua vez, encarna com gosto esse vidrado pela obra alheia, sujeito um tanto perdido na vida, exatamente, por deslocar boa parte de sua energia à admiração de um ideal criado que não corresponde à realidade. Já Ethan Hawke interpreta com doçura esse artista totalmente irresponsável na seara pessoal, mas que naturalmente inicia um processo de avaliação profunda de si. Juliet: Nua e Crua possui um roteiro esperto, repleto de personagens secundários e situações que servem para oxigenar a narrativa, como a irmã da protagonista, Ros (Lily Brazier), sempre às voltas com casos complicados, não raro com mulheres comprometidas. A peculiaridade dos personagens confere personalidade ao filme .

Juliet: Nua e Crua tem pontuais toques agridoces, alguns até melancólicos. Os mais evidentes são relacionados à questão da paternidade, de maneira mais abrangente, à como estar preparado para suprir certas expectativas. Ainda que subaproveite boas possibilidades, como a discussão sobre o dissenso entre as conjecturas dos fãs e a verdade por trás das fábulas criadas em torno dos artistas, o cineasta Jesse Peretz logra êxito ao equilibrar ponderações e entretenimento. É uma produção leve, com espaço para reflexões simples, sem inclinação a aprofundar-se nos temas abordados. O importante está na ternura dos vínculos, na forma como o filho pequeno enxerga o pai finalmente voltando à ativa, na reconfiguração da perspectiva do admirador, na ciência da mulher de que um pouco de aventura e risco não faz mal, pelo contrário. No fim das contas, em linhas gerais, trata da velha busca por equilíbrio, seja ao lidar com a fama, a frustração, as vicissitudes amorosas ou diante de novos rumos.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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