Crítica
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Sinopse
Julieta vive em constante estado de dúvida depois de ter sido abandonada pela filha. Noutro momento, com a garota ao seu lado, as coisas eram bem diferentes.
Crítica
Prestes a deixar para trás a Madrid de tantas lembranças dolorosas e a começar vida nova em Portugal com o namorado, Julieta (Emma Suárez) entra numa crise que a faz permanecer. Ficar é a única chance de reencontrar a filha da qual não tem notícias há anos. Voltar à rua onde ambas se viram pela última vez é parte desse processo de reconexão com um passado antes relegado ao esquecimento como forma de suportar o abandono. Acessamos a juventude da protagonista deste que é o vigésimo longa-metragem de Pedro Almodóvar quando ela resolve pôr no papel o que tanto represara. Assim, se estabelecem duas linhas temporais. Os sentimentos e suas decorrências, entre as mais e as menos benéficas, se instauram de maneiras avassaladoras em ambas. A imagem de Julieta é caracterizada por cores fortes e contrastes bem marcados, como de costume na obra desse cineasta que confere ao cenário e ao figurino uma função bem mais significativa do que apenas emoldurar e vestir.
Adriana Ugarte interpreta a Julieta de outrora, mulher cheia de jovialidade e energia. Apaixonada por um homem que passa os dias a aventurar-se no mar, tal como os personagens da literatura clássica que apresenta cotidianamente a seus alunos, ela se volta à rotina doméstica, tornando-se essencialmente mãe e esposa. Não há sequer traços da ironia ou do humor iconoclasta de Almodóvar em Julieta, melodrama que, assim como algumas realizações anteriores, expõe a paixão do espanhol por esse gênero. Literalmente, as tintas utilizadas são vivazes. Simbolicamente, os matizes são sombrios. Quanto mais sabemos a respeito daquela que escreve suas memórias em meio a lágrimas, menos os vermelhos e os azuis berrantes representam luminosidade, ou algo que a valha. Cria-se, então, um paradoxo cromático interessante, que dá conta de deflagrar descompassos permanentes entre exteriores e interiores, imprescindíveis à atmosfera de inconstância e fragilidade emocional.
Julieta é um filme duro, seco, que transpira sofrimento. Não há alívios cômicos ou mesmo folgas que deem conta de atenuar a senda de desilusões, arrependimentos, rancores e outras sensações nefastas avolumadas na medida em que a trama avança. O presente só se impõe no começo e no fim, respectivamente para evocar o passado e para encaminhar o futuro. De resto, se estabelece a trajetória pregressa de Julieta, principalmente no que diz respeito às particularidades de suas relações. Pedro Almodóvar aponta novamente suas lentes à família, a dinâmicas conflituosas entre consanguíneos. As complexidades emocionais não são vistas somente no núcleo, ou seja, no casamento aparentemente feliz de Julieta e no elo inquebrantável com a filha, mas também na situação do pai que mantém um caso com a cuidadora da mãe doente. Aliás, tal conjuntura, de certa forma, rima com a do marido, já que este também tinha uma esposa praticamente invalidada na cama por uma doença incurável.
Julieta é um Almodóvar melancólico, que não se furta de mergulhar profundamente nos efeitos colaterais dos amores fraturados, nem de sublinhar a dor que emana das ausências. Há espaço à bondade, aos sinais de afeto que podem servir como verdadeiros emplastros. Prova disso é o carinho comovente que Lorenzo (Darío Grandinetti) demonstra por Julieta, a despeito de sua frustração inicial. Adriana Ugarte e Emma Suárez vivem a protagonista em momentos distintos, mas, de fato, seus trabalhos são bastante consonantes. A primeira desloca Julieta do vigor próprio da juventude a um estado de torpor aparentemente incontornável. A segunda deflagra seus fantasmas há muito adormecidos, e se encarrega de, mais adiante, conduzi-la, talvez, à tão almejada paz de espírito. Almodóvar acerta novamente, não chegando a ser brilhante, mas fazendo bonito frente à tradição expressiva do melodrama.
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Gosto muito dos textos equilibrados do Marcelo Muller que são tbem acessíveis e informam muito a quem ama o cinema.