Sinopse
Deixado para ser criado pela madrinha, Júpiter cresce em meio a uma série de perdas e descobertas. A convivência forçada com o pai praticamente desconhecido, com quem não tem intimidade, passa a ser um novo desafio.
Crítica
Em um determinado momento da trama, Mário (Orã Figueiredo) precisa interromper um jogo de xadrez para atender ao telefone. Com o aparelho em mãos, se afasta para conversar com seu interlocutor, não sem antes indicar o filho para continuar a partida no seu lugar. A câmera segue com o homem, em um primeiro plano, enquanto o jovem fica atrás, desfocado, jogada após jogada, oponente após oponente, que vão sendo descartados um após o outro. Apesar da nitidez à frente, corroborada pelo áudio da conversa telefônica, o interesse está lá atrás, na descoberta de que o garoto não só é um bom jogador, mas um excelente na manipulação de torres e peões. No meio da chamada, o pai se dá conta do que acontece na sua ausência, mas não reage. Trata apenas de encerrar o bate-papo e direcionar sua atenção para o mesmo lugar onde já repousa a da audiência. Não emite comentário, nem oferece gritos de apoio ou encorajamento. Apenas se percebe, aos poucos, um sorriso surgir em seu rosto. Essa sutileza, caso tivesse sido seguida do início ao fim, talvez fosse suficiente para fazer de Júpiter um grande filme. Infelizmente, se manifesta apenas em situações pontuais, como a descrita no início desse texto.
Não há referência ao maior planeta do sistema solar. Júpiter é o nome do adolescente interpretado por Rafael Vitti, nome consagrado na televisão (protagonista de novelas como Verão 90, 2019, e a ainda inédita Além da Ilusão, 2022), que aqui marca sua estreia no cinema – um começo um tanto claudicante, seja pela performance do projeto, que talvez devido pela pandemia do Covid-19 teve seu lançamento nas salas de exibição cancelado, indo parar diretamente no streaming, como também pelo próprio desempenho do ator, entregue ao personagem, comprometido com a proposta, mas em mais de um momento carente de uma condução precisa. Por vezes é monossilábico, mas em outras, fala até demais. Cordato num instante, rebelde no seguinte, sem nuances que o conduzam de um ponto a outro. O potencial se identifica, mas apesar de ostentar o título do longa, essa não é a sua história.
Marco Abujamra, diretor e autor do roteiro, declarou ter escrito Mário com Orã Figueiredo em mente. Artista consagrado no teatro, tendo atuado em montagens de Domingos Oliveira, Aderbal Freire Filho e Gabriel Villela, no cinema tem marcado presença desde o clássico Madame Satã (2002), lançado vinte anos atrás. Em todo esse tempo, porém, nunca havia sido chamado para o papel principal – o que agora se verifica. Mais justo seria esse filme se chamar Mário, e não Júpiter. Afinal, é ele quem cumpre uma jornada de transformação, e não o garoto. Esse, um órfão criado pela madrinha, é surpreendido por ela logo no começo da trama, quando entra no quarto dele com duas notícias-bomba, lançadas sem muita preparação: está indo para a Suíça, pois ganhou uma bolsa pela qual há muito disputava, e o deixará sob os cuidados de um pai que ele nunca soube ter. Para completar, o homem também desconhece o fato de ter tido um filho há quase duas décadas.
Essa “passagem de bastão”, digamos, é feita sem muito cuidado. Abujamra demonstra não ter interesse em montar o cenário, pois essa artesania é feita de modo apressado e aos tropeços. O interesse do realizador está no que vem depois, em ver como as peças dispostas pelo tabuleiro irão reagir quando em confronto entre si. Se uma harmonia tediosa não chega a ser desejada – afinal, qual o sentido de uma história sem conflito? – também não se espera que os problemas sejam simplesmente atirados a esmo, sem que as condições para que os mesmos possam ser explorados se apresentem através de argumentos consistentes e problemáticas envolventes. Mário é detetive particular, que passa os dias investigando as esposas dos seus clientes, mas não desconfia que a própria mulher possui um amante. Seria lógico presumir sua incompetência, mas esse não é um caminho a ser percorrido. Trata-se apenas de um frustrado, que se pensa feliz, ao mesmo tempo em que tudo desmorona ao seu redor. Quando o filho inesperado se mostra excelente naquilo que ele via apenas como passatempo, as ligações entre os dois se apressam e se confundem. Onde termina o interesse genuíno e começa a ganância exploradora?
Orã é experiente o bastante para oferecer uma riqueza de detalhes a um personagem que nem sempre é bem tratado pelo enredo. Ele sofre um infarto, precisa lidar com uma traição cometida há tantos anos e ainda tem que descobrir como estabelecer laços com esse desconhecido sob seus cuidados. Independente do que faça, o jovem permanece numa postura passiva, mais reagindo quando provocado do que levantando vontades particulares. Da mesma forma, a questão marital se resolve sem grandes soluços. Um viés simplista, por vezes arriscando um tom cômico indesejado (o assalto à loja de conveniência, a espionagem escatológica), mas que se sustenta por algumas apostas mais seguras. Júpiter é o tipo de filme que esconde uma boa história, perdida entre as tantas distrações que reúne (o próprio campeonato de xadrez, que emula momentos de O Gambito da Rainha, 2020, gera uma expectativa que é descartada sem desculpas elaboradas). Entretanto, fica pelo meio do caminho, seja pelas intenções não atingidas ou pelas decisões problemáticas defendidas sem muito esforço. É preciso um trabalho de mineração, que somente os mais comprometidos conseguirão empenhar na medida que a obra exige.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
---|---|
Robledo Milani | 5 |
Alex Gonçalves | 3 |
MÉDIA | 4 |
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