Crítica
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Sinopse
Karina é uma jovem bonita, amante de Rufino, um contrabandista e empresário de prostituição e jogatina ilegal. Ele a obriga a se prostituir e a realizar shows de stripteases em seus negócios. Um amigo dele, o fazendeiro e também criminoso Lucas, é obcecado por Karina e tenta convencê-la a ficar com ele.
Crítica
O tema da repressão feminina e a crítica ao machismo da sociedade estão presentes nas obras mais significativas de Jean Garrett, caso deste Karina: Objeto de Prazer. Assim como em outros trabalhos, como o excepcional A Mulher Que Inventou o Amor (1979), o cineasta retrata aqui uma jornada de transformação e libertação de sua protagonista, a estonteante Karina (Angelina Muniz) explorada por seu amante Rufino (Luigi Picchi), contrabandista e dono de uma casa de jogos ilegais, que a obriga a realizar shows de striptease e a se prostituir. Colocada como prêmio de uma partida de pôquer, Karina rejeita se entregar ao vencedor, o também criminoso Lucas (o diretor Cláudio Cunha) e, após uma briga, acaba assassinando Rufino a tiros.
A questão da objetificação da mulher, explicitada no título, marca toda a trajetória de Karina desde quando, ainda jovem, é entregue a Rufino por seu pai, um pescador, em troca de um barco para o sustento da humilde e numerosa família. O fato de ser utilizada como moeda de aposta e perdida no jogo se mostra uma representação direta da temática em meio a outros simbolismos propostos por Garrett, como o encontrado no fetiche de Rufino por manequins – elemento recorrente no universo imagético do diretor. Para seu amante, Karina é mais uma boneca a serviço de seu prazer, como na cena em que é forçada a transar com o sobrinho do bandido, que então sacia seu voyeurismo.
Garrett também efetua a desconstrução da imagem idealizada da vida conjugal como um conto de fadas. A falência da instituição matrimonial ganha espaço na ótima cena de abertura, um número de striptease em que Karina se despe de um vestido de noiva – signo da pureza extinta que aparece também no flashback da primeira noite com Rufino. Nesses recuos temporais que compõem a narrativa de Garrett, percebemos os sentimentos conflituosos da protagonista em relação aos homens de sua vida. Há ainda resquícios de inocência em acreditar que seu pai não tinha escolha ao lhe vender a um estranho ou certo afeto ao lembrar-se de Rufino como alguém que lhe proporcionou acesso aos estudos e luxos materiais.
Somente com a entrada de outra figura feminina na trama, a advogada Sheila (Rosina Malbouisson), encarregada de defendê-la, é que Karina passa a compreender mais claramente sua força, utilizando-a para recomeçar sua vida e enfrentar a opressão masculina. O convívio com Sheila, que já teve suas desilusões com os homens – um “príncipe encantado” transformado em “monstro” – faz com que os sentimentos de Karina aflorem com maior intensidade. Não que o desejo já não se manifestasse no cotidiano da personagem, algo retratado por Garrett como um instinto animal – vide a cena em que observa o acasalamento dos cavalos – e também como a chave para uma possibilidade de fuga, ainda que frustrada, através do cliente do cassino com quem tem uma noite de paixão e que promete tirá-la de sua situação.
Essa fuga, porém, só se dá de fato ao lado de Sheila, quando ambas partem para o cenário idílico da casa de veraneio da advogada, um verdadeiro castelo que, diferente da construção de areia destruída por Karina na praia, simboliza solidez e proteção. No dia a dia nessa fortaleza particular, a veia feminista do discurso de Garrett se impõe, o que o torna excessivamente literal em determinados momentos, como quando Sheila contesta Karina por ter mudado seu nome, Maria do Carmo, para um escolhido por Rufino – a imposição masculina – ou afirmando para Lucas que a mulher que deseja não pertence a ninguém. Apesar de belíssima, Malbouisson peca levemente na impostação de suas falas, nem sempre soando natural, diferentemente de Muniz que mostra enorme desenvoltura, deixando transparecer todas as camadas da personalidade e da metamorfose gradual de Karina.
O grande momento da atriz se dá na magnífica sequência do flerte com o cliente do cassino, que culmina em uma longa e tórrida noite de sexo, na qual a entrega total de Muniz é notável. Além do drama e do erotismo, Garrett insere traços de terror psicológico, gerando cenas visualmente elaboradas, como os pesadelos de Karina – com destaque para aquele do “balanço sexual”. A atmosfera de suspense é bem instaurada e a ameaça se materializa novamente na figura masculina, no caso Lucas. A tensão sexual entre Karina e Sheila também aumenta, com a trama ganhando uma forte conotação lésbica. E mesmo que outra vez se valha da literalidade – a advogada chega a perguntar se sua cliente já teve uma relação homossexual – Garrett constrói essa ligação com delicadeza.
Por mais que também sirva ao deleite do público masculino, esse relacionamento possui um significado sincero sobre o empoderamento da mulher, no abandono completo da dependência de um homem. Uma alegoria que tem seu clímax na orgástica transa sob a chuva de Karina e Sheila, embalada por Everything Must Change, de Nina Simone, e filmada com extremo lirismo por Garrett, entrelaçando as noções de realidade e fantasia. Precedendo Ridley Scott e seu Thelma & Louise (1991) em uma década, Garrett, no deslumbrante plano final, coloca sua mulheres, unidas pelo crime e pelo amor, frente a um abismo. Prontas para enfrentar a lei dos homens, Karina e Sheila realizam um mergulho, não físico, mas de suas almas, agora lavadas por seu próprio senso de justiça.
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