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Sinopse

Kátia é a primeira transexual eleita a um cargo político no Brasil, país que lidera o ranking de assassinatos de transexuais. A bela trajetória política da piauiense que enfrentou preconceitos até se tornar respeitada na comunidade.

Crítica

Tapety é um dos sobrenomes mais respeitados do Piauí, de uma das mais tradicionais famílias ligadas à política naquele estado. E é também o complemento do nome de Kátia, figura central desse interessante documentário dirigido por Karla Holanda, aqui no seu primeiro longa-metragem. Após uma interessante carreira como curta-metragista – ela assinou cerca de 10 trabalhos neste formato desde sua estreia como realizadora, em 1992 – Holanda escolheu essa figura pública para acompanhar durante 20 dias e, assim, fazer um registro que reflita com a maior amplitude possível esta personagem. Kátia Tapety ganha esse olhar também por estar ligada à política, mas vai além disso: travesti, foi a primeira do Brasil a ser eleita a um cargo público (no início como vereadora, depois como vice-prefeita). E essa personalidade única mais do que justifica a atenção aqui despertada.

Kátia, o filme, começa com uma frase forte: “meu pai sempre foi muito direto ao dizer que todo homossexual devia mesmo era morrer”. Quem diz isso é Kátia Tapety, mas a declaração não vem seguida de angústia ou tristeza. É mais uma lembrança, uma recordação de algo que já passou e que lhe ajudou a construir a força e a determinação que hoje apresenta. Kátia nasceu como José, numa pequena cidade de apenas 8 mil habitantes no sertão do Piauí. Desde pequeno José sabia que, no seu íntimo, era Kátia. O pai o tirou ainda criança da escola para não causar vergonha à família. Os outros meninos o chamavam de “mulherzinha”, e ele nunca ficou chateado com isso, porque afinal era o que queria ser. Terminou seus estudos em casa, depois foi enviado para uma cidade menor ainda – Colônia do Piauí – para ficar afastado. Lá José virou Kátia. E nunca se arrependeu. Hoje é uma mulher esclarecida, que luta por seus direitos e briga por uma cidade melhor com o mesmo afinco que corta o capim para alimentar as vacas que cria ou que alimenta o cabrito recém nascido. Como ela mesmo diz “sou pau pra toda obra, sou mulher, sou macho, sou tudo”.

Por três vezes seguidas Kátia Tapety foi eleita como a vereadora mais votada da cidade de Oeiras, além de ter exercido o cargo de vice-prefeita entre 2004 e 2008. Foi casada com um homem por mais de 20 anos e é mãe de três crianças adotadas. Com quase 60 anos, impõe respeito e admiração por onde passa. É, enfim, uma figura querida e estimada por todos. O documentário Kátia é bastante feliz em produzir esse registro, porém sem se ater a muitos detalhes. Não se trata de uma obra didática, e sim muito mais emocional. Durante o período em que as câmeras acompanharam a retratada ouvimos basicamente a sua voz, com alguns poucos acréscimos – o único irmão que sempre a apoiou, alguns vizinhos e amigos. Mas a força está mesmo em Kátia, e Holanda sabe disso. Sem muitas distrações, vai direto ao ponto, e nesse processo conquista o espectador. Por outro lado, há muito pouco sobre as batalhas que essa mulher enfrentou, sobre o preconceito e as dificuldades com que precisou lidar, e principalmente sobre como um rapaz negro, de família humilde e morador do interior conseguiu se transformar nessa senhora alegre e colorida, com todas as conquistas que foi somando pelo caminho.

Karla Holanda, quando soube da existência de Kátia Tapety, ficou impactada com essa história de ruptura dos modelos convencionais. Foram mais de 30 horas de filmagens armazenadas, cerca de um ano de edição, até chegar ao produto final que se tem hoje, com pouco mais de 70 minutos de duração. Kátia serve como ilustração de um relato de vida cativante. No entanto, poderia ter sido mais. O filme chega a mostrar comentários sobre a “opção” de José em ser Kátia, como se isso fosse uma mera questão de escolha, ainda mais num cenário tão inóspito quanto o retratado. Há a ida de Kátia até o Rio de Janeiro, para participar de um congresso LGBT, mas o que resulta desse encontro não tomamos conhecimento. Estes são apenas dois exemplos de temas que poderiam ter sido melhor explorados, tendo na retratada uma porta-voz mais do que competente para isso. Infelizmente, isso não acontece. Mas ainda assim temos uma lição de vida, daquelas que nos mostram que, por mais diferentes que possamos ser uns dos outros, ainda assim somos todos muito próximos.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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