Crítica
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Sinopse
Cinco tramas que envolvem amores e sexo ao longo de um verão espanhol. Os personagens descobrem coisas excitantes, fontes de prazer incomuns e nomes impronunciáveis: Dacrifilia, Hifefilia, Somnofilia e Harpaxofilia.
Crítica
Sucesso inesperado de público, construindo uma boa carreira em festivais pelo mundo, incluindo o Brasil, a comédia australiana A Pequena Morte (2014), estreia na direção do ator Josh Lawson, atestou novamente seu êxito ao ganhar uma refilmagem internacional dois anos após sua estreia. Em Kiki: Os Segredos do Desejo – que coincidentemente também traz um ator exercendo a função de diretor, Paco León, em seu terceiro longa atrás das câmeras – a essência do enredo original é mantida, com a ação sendo transferida de Sydney para Madri, na Espanha. Além de dirigir, León também atua em uma das cinco histórias que compõem a trama sobre fetiches e manias sexuais peculiares, todos com suas denominações científicas e definições devidamente detalhadas em verbetes escritos na tela.
Em cada um dos esquetes, emoldurados pelas paisagens da capital espanhola – cidade “não tão moderna quanto aparenta”, afirma uma das personagens – somos apresentados a pessoas que sofrem pela incapacidade de satisfazer seus desejos, como Natalia (Natalia de Molina) que, com seu namorado, Alejandro (Álex García), não consegue chegar a um orgasmo tão intenso quanto aquele atingido ao ser ameaçada durante um assalto. Ou Candela (Candela Peña) que tenta engravidar do marido, Antonio (Luis Callejo), e descobre só ter real prazer no sexo ao vê-lo chorar. Há ainda um casal buscando reascender a chama da relação, Paco (León) e Ana (Ana Katz), desnorteado pela presença de uma amiga lésbica, Belén (Belén Cuesta), bem como um cirurgião plástico (Luis Bermejo) que mantém relações com a esposa (Mari Paz Sayago) somente quando ela está dormindo, e uma mulher com deficiência auditiva (Alexandra Jiménez) que se excita com tecidos.
Quase todas as situações derivadas desses conflitos se apresentam como reencenações levemente alteradas daquelas vistas na obra original. Contudo, com a mudança na ambientação, perde-se um significativo elemento, já que, em A Pequena Morte, todos os personagens habitavam o mesmo bairro suburbano, de moradias e hábitos padronizados, fator que evidenciava o sentido de jogo de aparências, de segredos bizarros escondidos sob uma suposta normalidade aceitável pela sociedade. No longa de León, ainda que a maior parte dos personagens pareça pertencer a uma classe social nivelada, e que estes se cruzem fortuitamente, tal sentimento acaba diluído. Por sua vez, o aspecto das disparidades culturais – a adição da sensualidade latina e do despudor europeu – que poderia configurar um diferencial atrativo, surge apenas comedidamente.
O trabalho de León não se mostra totalmente pudico, porém, mesmo que ofereça sua dose de nudez e insinuações sexuais – como na sequência de abertura que busca evocar um senso “primitivo”, através da montagem por associação entre a transa de Natalia e Alejandro e imagens de animais copulando, frutas, vegetais e outros objetos fálicos – nunca chega a ser o agente transgressor que almeja, evitando o choque explícito. Tudo é mantido dentro de um limite amenizador de humor, ressaltado pela fotografia luminosa e pelas cores em tons esmaecidos, fazendo com que a tentativa de gerar o desconforto ao abordar os exóticos fetiches dos personagens não surta todo o efeito pretendido. Essa dicotomia entre forma e conteúdo faz com que a versão de León novamente se mostre menos resolvida do que a australiana, que com seu tom mais frio, de humor negro, carregava alguma subversão.
León prefere correr menos riscos, excluindo, por exemplo, o controverso personagem do criminoso sexual obrigado a se apresentar aos vizinhos e que, no filme de Lawson, funcionava como ferramenta de ligação entre as histórias. O espanhol opta por uma comicidade mais ingênua, sendo capaz de conceber algumas passagens, de fato, divertidas, se valendo do timing acertado de seu elenco. Caso da história estrelada pelo próprio ator/diretor, que ganha maior destaque, favorecida pela desenvoltura da ótima Belén Cuesta. Já Alexandra Jiménez, apesar de viver a única personagem solitária, e ter menos tempo de tela, protagoniza dois dos melhores momentos do longa: um no metrô e outro em seu emprego como uma espécie de telefonista para pessoas surdas-mudas, quando precisa traduzir em linguagem de sinais a chamada de um cliente para o disk sexo.
A hilária sequência, que já podia ser considerada o ápice cômico de sua fonte de inspiração, assume o mesmo posto em Kiki: Os Segredos do Desejo, que busca transmitir uma mensagem de aceitação do diferente, validando, mais até do que as manifestações sexuais, todas as formas de amor. Essa mensagem, entretanto, apresenta um ruído contraditório, pois León trata de compreensão dos desejos sem explorar estes e suas consequências a fundo, utilizando-os como matéria-prima para piadas. Além do distanciamento dos personagens, e seus anseios, pelo viés satírico, há também a conivência do cineasta com atitudes reprováveis, sendo o abuso sem consentimento por parte do cirurgião com a esposa adormecida o mais grave, acentuado pelo fato de a empregada do casal tirar proveito da situação para chantagear o patrão. Tais inconsistências impedem que o resultado seja tão intensamente divertido quanto a catarse orgástica coletiva criada por León em seu desfecho, quando todos se encontram, dançam e cantam numa celebração à liberdade sexual. Uma liberdade que, no fim das contas, se mostra apenas moderada.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
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Leonardo Ribeiro | 5 |
Alysson Oliveira | 1 |
MÉDIA | 3 |
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