Crítica
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Sinopse
Kill: O Massacre no Trem começa sua ação na cidade de Nova Deli, Índia. É de lá que parte um trem que, no meio da viagem, se transforma em um campo de batalha. Isso porque uma dupla de soldados precisa enfrentar um exército de bandidos invasores.
Crítica
É fácil encontrar motivos para depreciar um filme como Kill: O Massacre no Trem. Alguns apontarão a escassez de cenários (a trama se passa quase que inteiramente no veículo apontado no título), o excesso de melodrama do enredo (um jovem casal separado por imposições familiares está no centro do ataque de bandidos e o rapaz apaixonado é o único capaz de defender sua amada) ou mesmo exageros da equipe técnica, como a trilha sonora onipresente, as lutas por demais coreografadas ou uma combinação de montagem com fotografia que parece ampliar os limites dos vagões, gerando uma falsa dimensão sobre os movimentos dos personagens. Porém, são exatamente estes os pontos que, vistos sob uma outra ótica, fortalecem não apenas o discurso, mas também a eficiência do conjunto, fazendo desta uma das opções mais interessantes da temporada – não por evitar clichês ou recursos já muito usados, mas, pelo contrário, por abraçá-los e fazer deles sua linha de defesa.
A principal chave para não apenas possibilitar um melhor entendimento, mas também investir nos desdobramentos da ação e se permitir envolver pelas constantes mudanças de rumo e reviravoltas narrativas de Kill: O Massacre no Trem é abrir mão de um olhar viciado numa proposta convencional hollywoodiana e se preparar para leituras distantes daquela regularmente servida pelas ofertas que geralmente até aqui chegam. O curioso é que o longa escrito e dirigido por Nikhil Nagesh Bhat, ao mesmo tempo em que se reveste de artifícios que tornaram a produção cinematográfica indiana reconhecida mundo afora, também deixa evidente sua vontade de se aproximar de uma estrutura mais regular, fácil de ser assimilada por audiências tanto locais, quanto internacionais. Não por acaso foi um imenso sucesso de bilheteria no seu país de origem e já teve seus direitos adquiridos para uma refilmagem nos Estados Unidos (pelos mesmos produtores da saga John Wick, aliás).
A história começa no ritmo de novela mexicana (ou indiana, no caso). Amrit (o megastar Lakshya, cujo nome de batismo é Laksh Lalwani, muito popular na televisão local, que estreia com esse filme no cinema) e Tulika (Tanya Maniktala, de Mumbaikar, 2023) são loucamente apaixonados um pelo outro. Porém, a mão dela já foi prometida a outro rapaz pelo pai, um rico empresário. O plano dos dois, num primeiro momento, é fugir antes do casamento. Mas o risco social é alto demais, e depois da festa de noivado, ele decide segui-la em uma viagem de trem pelo país. Os motivos, nesse ponto, não interessam muito. Por qual razão a família não aceita o escolhido dela, o que ele pretende ao permanecer no seu encalço, por quê ela segue lhe dando esperanças, mesmo afirmando não ter coragem de contrariar a decisão paterna – e, mais importante, o que leva todos a tal viagem ferroviária – são não mais do que pormenores. A questão é que ela e os seus logo estarão em perigo. E restará apenas ele (ao lado do melhor amigo, Fani, vivido por Raghav Juyal, de Dançarinos de Rua, 2020) para socorrê-la.
Chama atenção que a gangue de bandidos que invade o trem é formada por parentes e agregados. Porém, a lógica que rege suas ações não é a mesma vista em dramas sobre a máfia italiana, sobre o crime organizado latino-americano ou a yakuza japonesa, para ficar em alguns exemplos mais óbvios. Aqui, a noção é invertida, e por mais que sejam eles os agressores, a cada débito do lado deles a reação é de incredulidade e espanto, como se tivessem sido vítimas de uma ofensa gravíssima – é como se, apesar de terem levantado as armas primeiro, nem cogitassem que alguém fosse capaz de revidar. Esse comportamento abre espaço para uma reflexão: não seriam esses, porém, as verdadeiras vítimas? O que buscam é um saque comum. O banho de sangue começa, primeiro, quando se tem início a reação contrário. E, segundo, ao perceberem que está no trem o pai de Tulika, um homem de muitas posses, do tipo que basta a menção do seu nome para que todos o reconheçam – e passem a temer a repercussão de envolvê-lo nesse episódio. Não seria ele, portanto, o real opressor?
Mas Nagesh Bhat não está interessado em um discurso sócio-político. No final das contas, o que entrega é um misto de Comando para Matar (1985) – aquele que Arnold Schwarzenegger acabava praticamente sozinho com um exército inteiro que ousava se meter no seu caminho – com Invasão Zumbi (2016) – um thriller tenso sobre um grupo aleatório de passageiros que precisa se defender de uma infestação de mortos-vivos em um comboio em movimento. Kill: O Massacre do Trem acaba por funcionar em mais de um aspecto, tanto como uma aventura despreocupada e envolvente, como também oferece pano de fundo para leituras mais elaboradas e profundas. Tudo isso conduzido por um astro capaz de jogar com os elementos ao seu alcance – Lakshya convence como soldado e como enamorado, tem carisma de sobra e conduz com eficiência as coreografias dos seus combates – ao mesmo tempo em que abre mão de certas convenções, possibilitando surpresas e reviravoltas de tempos em tempos, sem dar fôlego a ninguém (independente do lado da tela em que se esteja). Em resumo: eis aqui uma aposta que parece ser mais do mesmo, mas que na verdade guarda em si méritos insuspeitos.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
---|---|
Robledo Milani | 8 |
Francisco Carbone | 8 |
Ticiano Osorio | 7 |
Leonardo Ribeiro | 7 |
MÉDIA | 7.5 |
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