Crítica


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Sinopse

Um ex-condenado e seu irmão mais novo são forçados a fugir de um vingativo criminoso, de policiais federais e de uma série de soldados de outro mundo. A única proteção que possuem é uma arma de antecedência misteriosa. Enquanto coisas estranhas acontecem com os dois, uma agente do FBI é chamada para investigar o caso.

Crítica

Adaptado do curta-metragem Bag Man (2014), Kin parte da deflagração de um elemento que o filia imediatamente à ficção científica. O protagonista, Eli (Myles Truitt), encontra fortuitamente uma arma tão desconhecida quanto destrutiva, a colocando embaixo da cama por absoluta falta de noção do que fazer com o artefato. Logo, o retorno do irmão mais velho, Jimmy (Jack Reynor), ao convívio familiar – depois de anos preso por assalto – inclina a narrativa à observação de rusgas domésticas que se avolumam gradativamente. O pai deles, Hal (Dennis Quaid), é um homem correto, austero em sua retidão, que constantemente repreende o primogênito ainda conectado com a criminalidade por uma dívida a ser paga, seja com dinheiro ou com a vida. Os realizadores Jonathan e Josh Baker se debruçam totalmente nas dificuldades de convivência, na distância que gerou uma ojeriza natural, na discrepância entre o progenitor trabalhador e a ovelha desgarrada do rebanho. No caminho entre esses dois polos conflitantes, o pré-adolescente introvertido que possui uma arma responsável por encoraja-lo e dar-lhe força, literal e metaforicamente falando. E isso é um problema.

Portanto, o sci-fi fica condicionado completamente a essa dinâmica parental, rapidamente acrescida de contornos dramáticos por conta da combinação de más escolhas e azar. É evidente o esmero visual de Kin, a tentativa de criar um espetáculo instigante, calcado no sentimento das pessoas. Chega a ser criativo, do ponto de vista da articulação de elementos como a fotografia e o som. Exemplo disso, o momento em que o menino utiliza seu “coringa” para proteger o irmão contra os malvados numa casa noturna. A moldura da ação é o neon da entrada, solução visual que confere à cena um toque retrofuturista curioso. Todavia, há inconsistência no atrelamento das lições oriundas da viagem de fuga à noção do extraordinário. A ficção científica surge apenas por conta de dois elementos. Um deles, evidentemente, a arma que garante a segurança da dupla. O outro, os sujeitos estranhos no encalço dos fugitivos, rastreadores do dispositivo inusitado. Porém, o foco majoritário é na forma como os irmãos finalmente se conectam na estrada, não sem obviedades e convenções.

A morte de alguém importante rapidamente é “esquecida”, assumindo a função de segredo, mas perdendo impacto emocional. Não demora e, por falta de vicissitudes, as interações entre Eli e Jimmy passam a ser protocolares, assim como as diversas sequências conceitualmente iguais dos enigmáticos perseguidores constatando que a arma foi ativada em certos lugares. Em meio a isso, o vilão interpretado por James Franco, que igualmente está caçando os irmãos para obter vingança. Aliás, há até uma tentativa (forçada) de demonstrar espelhamento entre algozes e vítimas, com o bandido confessando uma forte ligação com seu mano mais velho. Mas, falta espessura dramática aos elos que, muitas vezes, soam falsos. Do ponto de vista moral, é reprovável a constituição do heroísmo do protagonista a partir da autoridade que o armamento lhe fornece. Como o dado de ficção científica é absolutamente inconsistente, soa perniciosa a ideia de empoderamento por ventura de um instrumento de destruição. Quando o protagonista assassina factualmente “por necessidade”, a tortuosidade fica mais gritante. Ainda sobra espaço para a entrada da stripper vivida por Zoë Kravitz, mais um ruído que necessariamente alguém importante ao andar do enredo.

Se em Kin o laser fosse substituído pela pólvora e, por conseguinte, as agressões resultassem em sangue jorrando, o filme se inviabilizaria tal e qual aventura para toda a família. A hipocrisia reside na aposta de que a pulverização de humanos supostamente divorciaria o ato brutal da sordidez a ele inerente. Eli conhece mais intimamente o irmão, mas não tem um processo de amadurecimento, já que suas vitórias são subordinadas ao fato de ser o único que misteriosamente pode manejar aquele canhão hi-tech. Numa terra como os Estados Unidos, em que o culto às armas está entranhado no tecido social, é sintomático que o adolescente somente se sinta no controle das situações quando de posse de uma arma sem igual. Nesse jogo de gato e rato, com criminosos e figuras apocalípticas logo atrás, sobra pouco espaço para que os componentes da ficção científica se desenvolvam. A fim de tentar corrigir isso, há o encerramento canhestro, em que a verdade é revelada no monólogo expositivo de um ator famoso, até então incógnito. É difícil de engolir essa ressignificação imposta goela abaixo, expediente preguiçoso e que, aparentemente, visa abrir caminho a uma provável sequência.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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