Crítica
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Sinopse
King é um filhote de leão fugitivo acolhido por dois irmãos que decidem armar um plano para leva-lo à África.
Crítica
Inês (Lou Lambrecht) não lida bem com a morte da mãe e a nova configuração de sua família. Em casa, praticamente evita a madrasta e ignora os contatos do irmão. Na escola, é frequentemente ridicularizada – não sabemos ao certo o motivo disso. Então, a menina que está entrando na adolescência se depara com algo extraordinário: um filhote de leão contrabandeado ilegalmente da África, à solta na França, se refugia em seu quarto. Em vez de chamar as autoridades, Inês decide se aventurar para devolver o pequeno (por enquanto) felino ao seu habitat natural. É exatamente o que acontece com o menino Elliot, o protagonista de E.T.: O Extraterrestre (1982), criança igualmente em crise familiar (neste caso, a separação dos pais) e que se lança numa aventura para devolver um amigo insólito (neste caso, um alienígena) ao seu habitat natural. Mas, em princípio, vamos nos ater às particularidades dessa produção integrante do 13º festival Varilux de Cinema Francês: a dificuldade de Inês para aceitar a presença da madrasta; as peculiaridades do leãozinho; as demandas do irmão de Inês, Alex (Léo Lorléac'h); a inclusão do avô desconhecido na jornada; a utilização das redes sociais como amplificadores; a outra turbulência entre os pais e filhos do enredo; uma possível alusão à questão migratória. E, apenas depois, voltaremos aos paralelos com a obra-prima de Steven Spielberg, ok?
Apesar da pouca idade, a jovem atriz Lou Lambrecht dá conta do recado. Ela compõe muito bem essa menina que encontra a possibilidade momentânea de esquecer os próprios problemas (a saudade, a inadequação, a carência, a introspecção, etc.) numa missão empolgante. Pena que o filme não esteja disposto a mergulhar nos sentimentos da pré-adolescente e tampouco encarar com menos displicência o seu painel familiar. A ausência do pai (que está viajando) nem vira um elemento relevante, sequer outro motivo à tristeza da protagonista. O homem simplesmente não está por ali e isso pouco significa – a não ser uma sobrecarga à madrasta que, então, fica ainda mais vulnerável diante dos dois enteados rebeldes. E sobre Inês ser perseguida na escola, é por ser ensimesmada e pouco comunicativa? Como não há clareza em relação a isso, fica somente a sensação de que o comportamento agressivo dos colegas é uma forma de estreitar ainda mais os espaços da menina. Desse modo, ela não tem qualquer conforto antes da chegada em cena do leãozinho batizado de King – referência ao Simba de O Rei Leão (1994). Aproveitando, sobre o pequeno animalzinho, o CGI que o materializa em cena é muito bom, aliás, bem melhor utilizado do que as pouquíssimas subjetividades do filhote. King não é marcante. Apenas come, rosna, corre obedientemente, brinca, se movimenta graciosamente, mas não tem personalidade.
Alex, o irmão de Inês, tenta de tudo para alcançar notoriedade. Depois de ser chantageado pelos colegas de escola, ele posta uma foto com King e viraliza o fato de terem localizado o fugitivo. O guri quer ser respeitado e procura utilizar a obediência aos valentões e a fama virtual para alcançar esse objetivo. Mas, nada disso é minimamente pertinente ao desenvolvimento de King: Meu Melhor Amigo. E essa desvalorização transforma o irmão, quando muito, num sidekick – aquele personagem fundamental estritamente como suporte para a protagonista chegar ao seu objetivo e cumprir a sua jornada. O mesmo acontece com o avô supostamente aventureiro, mas que na verdade é um trambiqueiro de marca maior. Escondido convenientemente num asilo para não arcar com dívidas e demais responsabilidades, o idoso pouco acrescenta. Inês refaz o elo sanguíneo com Max (Gérard Darmon) ao convoca-lo para, então, auxiliar os netos quando estes precisam. No entanto, o cineasta David Moreau se restringe a apresentar do que esse idoso é feito. Ele poderia ser mais bem desenvolvido dentro da perspectiva de uma nova configuração familiar. Já as redes sociais são negligenciadas. Elas servem, no máximo, como intermediárias entre a insatisfação de um menino e o seu pai, um dos perseguidores de King. Essa nova barreira geracional nem possui vida própria, apenas reforça a principal.
Além disso, falta consistência à abordagem dos conflitos geracionais em King: Meu Melhor Amigo. O acerto de contas entre Inês, Alex e o avô Max é fútil, o mesmo acontecendo com a situação que envolve o menino "consciente" em rota de colisão com o pai perseguidor. King é um animal retirado à força do continente africano, como eram os homens e mulheres escravizados, mas não há sequer traços de consciência histórica na referência. O filme é pensado para um público infantojuvenil, em tese espectadores atentos à superfície na qual residem a coragem, as perseguições e a fofura. No entanto, convém não ser condescendente e acreditar que uma obra voltada aos pequenos precise ser menos coerente e consistente. Voltando ao paralelo com E.T.: O Extraterrestre, o longa francês fica preso à necessidade de esclarecer as suas metáforas óbvias. David Moreau reitera constantemente que há alegorias nessa jornada repleta de incongruências e facilidades. No filme norte-americano de referência, Steven Spielberg nos levava a concluir que Elliot assume responsabilidades para crescer e aprender a se despedir dos entes queridos. Aqui, o cineasta francês chega a fazer a protagonista ouvir alguém chamando o leãozinho de “sua mãe” para não restarem dúvidas quanto à natureza simbólica daquele bichinho. E, por fim, Spielberg subordina magistralmente o subtexto à sensação de aventura adolescente, enquanto Moreau não imprime essa empolgação juvenil, pois se preocupa demais com ser compreendido.
Filme assistido durante o 13ª Festival Varilux de Cinema Francês, em junho de 2022.
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