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Sinopse

O Capitão Tomás Kóblic é um comandante da Força Aérea Argentina durante a Ditadura Militar (1976-1983) no país. Kóblic tem como missão pilotar um “voo da morte”, no qual os cidadãos contrários ao regime eram lançados ao mar, vivos e dopados. Atormentado, se refugia no pampa argentino em busca de paz. Daí por diante, começará uma perigosa nova vida, sob a ameaça constante da ditadura.

Crítica

É possível entender rapidamente o que deve ter atraído Ricardo Darín a ponto de aceitar ser o personagem-título de Kóblic. Primeiro, temos o tema, que é sobre uma figura que se rebela contra o sistema injusto da Ditadura Militar daquele país de se livrar dos seus opositores mais ferrenhos. Depois, pela oportunidade de retomar a parceria com o diretor Sebastián Borensztein, com quem havia trabalhado no sucesso cult Um Conto Chinês (2011). Os problemas, no entanto, é que nenhum destes dois propósitos se realizam por completo. Quanto ao primeiro, o assunto é abordado apenas como pano de fundo, e nunca com a profundidade necessária. E sobre a reunião entre astro e realizador, o que se percebe a partir daqui é que o caso anterior foi realmente uma conjunção única, que pelo jeito não irá se repetir tão facilmente.

Ainda que o Capitão Kóblic de Darín seja o protagonista, ele está longe ser a figura mais carismática em cena. Essa, aliás, responde pela presença do delegado Velarde, vivido com gosto por Oscar Martínez. Essa não é a primeira vez que isso acontece. E ainda que não tenham contracenado juntos antes, em Relatos Selvagens (2014) Martínez respondeu pelo segmento mais sério da compilação, sobre um garoto que atropela uma pessoa e foge sem prestar ajuda, obrigando o pai abastado a lidar com a situação. Dessa vez, no entanto, eles estão lado a lado: um sisudo e de poucas palavras (Darín) e o outro sob uma forte maquiagem, peruca e dentadura falsa, exageros que servem apenas como distração. O ator impõe-se por força própria, criando um antagonista que vale à pena acompanhar, apesar destas distrações.

O filme trata sob uma aura de mistério dispensável as motivações do personagem central. Kóblic é um capitão da Força Aérea Argentina, responsável por guiar os aviões que carregavam os inimigos do governo até o alto mar, de onde eram jogados rumo à morte certa. Após um ataque de consciência, ele se recusa a abrir o compartimento de carga. Uma atitude de pouco efeito prático – ele logo é substituído pelo copiloto, que cumpre às ordens imediatamente – mas que resulta em sua danação. Por isso precisa fugir, indo se esconder em uma pequena vila no interior do país. Naquele cafundó sem eira nem beira, a lei é ditada pelo único representante policial da região, que estranha a presença de um militar pelas redondezas. Só que o refugiado, ao invés de tentar desaparecer, decide se portar como mais um dos locais, o que só resulta em estranheza entre os demais. Seu sotaque, modo de agir e de se portar chamam a atenção de todos. E isso não passará desapercebido.

Se Borensztein tivesse se focado apenas na questão política, talvez Kóblic fosse mais eficiente. Mas ele tem um galã em cena, e após desperdiçá-lo com um corte estranho e um jeito taciturno no longa que fizeram antes, fazer o mesmo uma segunda vez era quase impensável – ainda mais tendo um herói em mãos. Assim, adiciona-se um elemento romântico à trama – Kóblic se envolve com uma garota casada com o próprio tio, que abusa dela quando lhe dá vontade – e a veia de justiceiro falará mais alto. Essa percepção, porém, não se dará de modo sutil. O diretor abusa dos tons almejados, fazendo uso de paralelos óbvios – um salva um cachorro doente, o outro mata aquele cão que o incomoda – para deixar claro ao público quem ali é o mocinho. Tal postura, no entanto, reflete um desrespeito à inteligência do espectador, como se esse precisasse ser guiado pelas mãos, incapaz de atingir tais conclusões por conta própria.

Assim como ocorreu recentemente no Brasil com o muito mais bem sucedido Faroeste Caboclo (2013), o que se vê aqui é o uso de velhos arquétipos de um gênero tipicamente hollywoodiano, porém reimaginados de acordo com os cenários argentinos. Kóblic e Velarde são dois caubóis rumo a um duelo ao pôr-do-sol, mas este se dará de forma anticlimática e quase decepcionante pela obviedade empregada. Aquele que para lá se dirige em busca de abrigo acaba sendo a salvação de todos – e a desgraça de alguns poucos – de modo quase inabalável. Ele pode não ter feito diferença na vida dos opositores do regime, mas mudou a de alguns poucos, e com isso tem agora sua tranquilidade restabelecida. Infelizmente, o mesmo não pode ser dito sobre Darín, que aqui recebeu um personagem unidimensional e muito aquém do seu talento. A boa imagem que ele invariavelmente persegue em sua filmografia está mais uma vez intacta, mas nós sabemos que ele é melhor do que isso. Muito melhor.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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