Crítica


5

Leitores


1 voto 10

Onde Assistir

Sinopse

Kraven: O Caçador conta a história do imigrante russo Sergei Kravinoff, um rapaz que deseja se livrar a influência paterna e provar que é o maior caçador do mundo. Porém, quando outros oponentes surgem em seu caminho, uma série de contratempos irá transformá-lo em um ser selvagem e dono de poderes inacreditáveis. Com Aaron Taylor-Johnson.

Crítica

O mais famoso grupo de inimigos do Homem-Aranha recebeu, ao menos nas histórias em quadrinhos, o nome de Sexteto Sinistro. O grupo de vilões é formado pelo Doutor Octopus, Electro, Mysterio, Homem-Areia, Abutre e... Kraven! Os cinco primeiros já haviam aparecido na tela grande em um ou outro momento (Homem-Aranha 2, 2004; O Espetacular Homem-Aranha 2: A Ameaça de Electro, 2014; Homem-Aranha: Longe de Casa, 2019; Homem-Aranha 3, 2007; e Homem-Aranha: De Volta ao Lar, 2017, respectivamente). Faltava apenas Sergei Kravinoff, autointitulado “o maior caçador de todos os tempos”. Eis que, vinte e dois anos após a primeira incursão do Amigão da Vizinhança pelo celuloide, é chegada a vez do anti-herói russo. Kraven: O Caçador, no entanto, está longe de oferecer a ‘pompa e circunstância’ que o personagem merece. Afinal, seu maior opositor nem sequer é mencionado na trama dirigida por J.C. Chandor. Sua própria inclusão por esse universo é circunstancial, recaindo a uma rápida menção – do tipo “piscou-perdeu” – ao Clarim Diário e ao surgimento de outros tipos familiares. Portanto, ao mesmo tempo em que é o único destes oponentes a ganhar um filme totalmente seu, é também o que mais se afasta de sua origem, resultando em uma obra genérica e sem personalidade, distante do que se poderia esperar de uma figura tão carismática e singular.

O problema, como se sabe, não é de Kraven e muito menos do que se sabe a seu respeito pelos gibis. Está no contexto pelo qual foi feito esse resgate: como sexto – e, provavelmente (que assim seja!) último esforço do Universo Homem-Aranha da Sony (até o título desse conjunto de longas é curioso, pois se trata de um coletivo no qual o herói que batiza a iniciativa... não aparece). Enfim, após os desastres da trilogia Venom e dos atentados individuais de Morbius (2022) e de Madame Teia (2024), difícil imaginar alguém com um mínimo de boa vontade em relação a mais um lançamento compartilhado. Como resultado, Kraven: O Caçador era visto como mais uma decepção muito antes de sua estreia. Nem tanto ao céu, mas também não tão ao inferno. Chandor é o mais tarimbado dos seis realizadores convocados – foi inclusive indicado ao Oscar pelo roteiro de Margin Call: O Dia Antes do Fim (2011). Dono de tal histórico, é de se perguntar o que o teria motivado a aceitar tal convite. Provavelmente, em busca de uma maior popularidade. Se foi essa a sua aspiração, coitado.

Pois os problemas que Kraven: O Caçador apresenta são tropeços típicos de roteiro e de produção. O diretor faz o que pode, assim como o elenco, na sua maior parte comprometido com os absurdos impostos pela trama. Por mais que o Kraven dos quadrinhos seja um tipo imponente e ameaçador, que caberia com perfeição em nomes como Hugh Jackman ou Joe Manganiello, Aaron Taylor-Johnson não faz feio, a despeito de ser o mais baixo dos três aqui citados e também o mais jovem (tem 34 anos). Seu comprometimento é absoluto, desde a transformação física até o mergulho que faz em busca das motivações do personagem. Mas essa é uma história sobre como ele surgiu e se formou, ou seja, são deslizes menores que podem ser compreendidos. Em sua terceira incursão pelo mundo dos super-heróis (após ter sido o protagonista de Kick-Ass, 2010, e o velocista Mercúrio, em Vingadores: Era de Ultron, 2015), ele agora se apresenta como o filho de um empresário envolvido com múltiplos negócios escusos, cujo lema é atacar antes e justificar depois. Percebendo a relação tóxica com o pai, na juventude decide se afastar, abandonando também o irmão mais novo, a quem vê apenas em ocasiões especiais, como no aniversário do caçula. E é numa dessas celebrações familiares que os três se veem novamente juntos, colocando à prova os laços que os unem: Nikolai (Russell Crowe, em mais uma aparição que se assemelha a uma paródia do astro que um dia ele foi) quer que o filho afastado assuma sua herança e siga na mesma linha dura contra os inimigos, ao passo que Dmitri (Fred Hechinger, de Gladiador II, 2024), mais fraco e sem tantos talentos, anseia pelo momento em que será salvo da influência paterna.

Como se percebe, os dramas entre pais e filhos, mote de filmes similares a esse, também se fazem presente por aqui. É uma estrutura clássica, de fácil identificação pelo público e de resolução aparentemente simples – basta que aquele responsável pela maioria dos problemas saia de cena, de modo acidental ou não, para que os remanescentes descubram seus caminhos. Mas assim como outras abordagens recentes, nas quais os bandidos assumem o centro das atenções – de Malévola (2014) até Cruella (2021), passando pelos colegas citados anteriormente deste mesmo universo do Homem-Aranha – o que se vê é uma tentativa constante de justificar o comportamento do protagonista, como se ele não fosse malvado, mas, por outro lado, levado a tomar atitudes condenáveis por forças das circunstâncias. O caçador que almeja ter a cabeça do teioso em exibição na parede de sua mansão como um troféu a seu ostentado ficou nas HQ’s. O que Chandor e Taylor-Johnson dão vida é a um tipo traumatizado por questões familiares e com desafios em excesso a serem superados.

Sim, pois esta é outra das complicações que ressaltam aos olhos: o congestionamento de bad guys. Como se não bastassem Kraven e o pai, há um outro mafioso que deseja tomar para si os negócios dos Kravinoff (Alessandro Nivola, fazendo às vezes de Rino, o transmorfo vivido brevemente por Paul Giamatti nos créditos finais de O Espetacular Homem-Aranha 2: A Ameaça de Electro, 2014), um capanga aparentemente mais poderoso que aqueles que nele mandam – o que não faz o menor sentido! – que se apresenta como O Estrangeiro (Christopher Abbott, desperdiçado como uma ameaça que nunca se justifica) e até mesmo O Camaleão, que como os fãs sabem tem sua ligação com o Caçador confirmada. E há ainda Calypso, o par romântico do protagonista, defendida por uma inadequada Ariana DeBose, sempre com figurinos despropositados, sem usar seus supostos poderes e servindo mais como uma mocinha a ser salva do que como uma força capaz de provocar mudanças. Incorrendo em clichês que há muito já deveriam ter sido superados e sem conseguir se valer como uma abordagem válida sobre um tipo tão rico em detalhes, Kraven: O Caçador vai ignorando, durante o desenrolar de sua ação, qualquer possibilidade de se mostrar à altura da atenção despertada. E termina como começou, genérico e irrelevante. Um destino nem um pouco digno do personagem.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
avatar
é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
avatar

Últimos artigos deRobledo Milani (Ver Tudo)

Grade crítica

CríticoNota
Robledo Milani
5
Alysson Oliveira
3
MÉDIA
4

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *