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Sinopse

Uma viagem privilegiada pela criação de um dos maiores nomes da história do cinema com ajuda de um valioso material de arquivo e de entrevistas com alguns de seus principais colaboradores.

Crítica

Há um pouco aprofundado fascínio pela reprodutibilidade em Kubrick por Kubrick. O cineasta Gregory Monro enfatiza repetidamente equipamentos e o ato mecânico de projetar a voz de Stanley Kubrick falando excepcionalmente sobre o próprio trabalho ao crítico francês Michel Ciment. Dentro dessa ideia, a câmera é entendida como instrumento da capacidade representativa oferecida pelo cinema. Em determinados depoimentos, o diretor norte-americano toca em algo que concerne a esse debate subjacente, como quando fala do procedimento para submeter-se à realidade num filme que discute ferinamente a guerra do Vietnã, embora filmado em Londres – no caso, Nascido para Matar (1987). Todavia, tal complexidade instigante fica relegada às filigranas, não ganhando a atenção merecida nessa produção que tem como maior mérito efetivo nos conferir acesso às manifestações de um gênio recluso, pouco afeito a comunicar-se via imprensa. E a montagem de Philippe Baillon é bastante competente ao correlacionar certas falas e criar blocos temáticos.

A gênese televisiva de Kubrick por Kubrick, longa repleto de elementos consagrados pelo flerte do documentário com o jornalismo, é evidenciada pela maneira como as falas são ilustradas por fotografias e excertos dos filmes. Existe um privilégio à informação em detrimento da liberdade de criação. É curioso como Gregory utiliza a iconografia da carreira de Stanley Kubrick, partindo do misterioso quarto branco de 2001: Uma Odisseia no Espaço (1968), gradativamente transformando-o num depósito de memorabilia. Nele são virtualmente colocados a máscara fálica do Alex de Laranja Mecânica (1971), os indefectíveis óculos vermelhos da Lolita da produção homônima de 1962, o capacete com a inscrição “Born To Kill” do citado longa de guerra dos anos 1980, o piso característico do hotel de O Iluminado (1980), além do monolito do exemplar paradigmático quanto às histórias ambientadas no espaço. Pena que essa natureza icônica das realizações de Kubrick não é estudada, apenas disposta como essencial a um museu de souvenirs, ideal à visitação dos fãs.

Um mérito de Kubrick por Kubrick é a síntese. Gregory Monro propõe um percurso relativamente consistente e amplo pela carreira desse realizador ímpar, nele desmistificando coisas e possibilitando a reafirmação de outras tantas. Vários colaboradores de Kubrick falam da folclórica obsessão pela perfeição, nesse sentido sendo elucidativa a fala da atriz Shelley Duvall a respeito das possibilidades criativas positivas que o método controverso traz ao intérprete. Como contraponto desse elogio à exaustão, o testemunho do compositor que afirma ter perdido as estribeiras e partido às vias de fato depois de ser obrigado, junto com sua orquestra, a repetir um movimento 105 vezes. O filme dá espaço para que o próprio Kubrick fale calmamente disso, destrinchando essa suposta busca insaciável como algo insuspeitamente inerente à concepção de um cinema voltado ao naturalismo. Esta é reforçada na explicação sobre a utilização de luz de velas em Barry Lyndon (1975). Há espaço ao aspecto emocional, como o marejar dos olhos de Tom Cruise ao lembrar-se de Kubrick.

Do ponto de vista estritamente formal, o filme de Gregory Monro exibe uma noção antiquada, sobretudo pela preocupação com a ilustração. Todavia, dentro desse esqueleto formalmente anacrônico, ele consegue um resultado efetivamente agregador no que tange a esclarecimentos importantes sobre a obra de Stanley Kubrick. Utilizando a voz do norte-americano como fio condutor dessa jornada de (re)conhecimento, permite que a supracitada iconografia, bem como os testemunhos circunscritos numa televisão antiga – artifício dispensável, somente gerador de um efeito visual peculiar – completem determinadas lacunas. De todo modo, é privilegiado esse acesso meticuloso às manifestações de um cineasta que durante toda a sua carreira, seja por estratégia ou mera falta de disposição, nunca fez muita questão de fomentar uma imagem pública grandiosa. Isto posto numa fala quase isolada, em que ele se diz pouco confortável com entrevistas por acreditar que nelas é preciso ser obrigatoriamente inteligente e espirituoso. É uma bela interpretação do gênio aqui reverenciado.

Filme visto online na 44ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, em outubro de 2020.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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