Crítica
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Sinopse
No ano 2000, Grã-Bretanha, França e Noruega oferecem sua assistência, mas a Rússia insiste que tem a situação sob controle no Mar de Barents. Porém, uma explosão naufraga o submarino Kursk. Os tripulantes precisam sobreviver às águas geladas enquanto esperam por um resgate que pode não chegar por causa do descaso das autoridades.
Crítica
É muito curiosa a sensação de assistir a um filme em que direção e roteiro caminham por sentidos opostos. Por um lado, o texto de Robert Rodat (roteirista de O Resgate do Soldado Ryan, 1998, e O Patriota, 2000), aposta no espetáculo típico do cinema de ação. Para contar a história do submarino russo Kursk, que afundou no ano 2000, deixando dezenas de marinheiros lutando por sobrevivência enquanto nações discutiam o melhor plano de resgate, ele aposta nos clichês consagrados do gênero: um herói belo, incorruptível, bom pai e marido gentil, que profere um discurso encorajador aos seus homens durante o desastre; a esposa igualmente íntegra, que sofre com o medo de perder o provedor da família; vilões mesquinhos no alto escalão da Marinha, e alguns marinheiros desajeitados que põem a perder todos os esforços do herói. Esta é uma história de modelos e antimodelos: o que se espera de um homem, de uma mulher, de um líder etc. Além de ser uma fábula moral, esta é uma história moralista.
Por outro lado, o diretor à frente do projeto se recusa a abordar o episódio sobre o submarino Kursk como um simples filme de ação. Thomas Vinterberg, cineasta nada acostumado a blockbusters, se revela plenamente capaz de dirigir cenas de explosão ou momentos tensos em que os personagens correm risco de morte. No entanto, ele dedica tempo considerável a explorar o espaço do submarino, a interação entre os colegas reunidos, a força da esposa lutando para descobrir informações diante dos boatos de uma catástrofe no fundo do mar. Vinterberg dedica belas cenas no conjunto habitacional onde mora o protagonista, e nada menos que três longas sequências da cápsula de resgate tentando acoplar no submarino danificado. A beleza das bolhas escapando da escotilha, significando o fracasso do resgate, é muito mais potente do que a multiplicação de rostos em sofrimento. O cineasta mistura a ágil festa de casamento com uma câmera deslizando elegantemente pelos personagens durante uma conferência de imprensa, em adição a uma brincadeira de pega-pega entre mãe, pai e filho muito bem dirigida e editada.
Isso significa que, para o roteiro, privilegia-se o heroísmo um tanto fácil, as frases de efeito (“Diga a Vera que eu a amo. Adeus!”), o retrato da família deixado no submarino, que o herói se arrisca a buscar apesar do pouco oxigênio disponível. Para o diretor, no entanto, o essencial são os personagens, a solidão, o medo da morte. O produtor Luc Besson, especialista em filmes deste porte, tenta reunir um diretor focado na interioridade (a psicologia, o afeto) e um roteirista dedicado à exterioridade (o resgate, as brigas entre homens poderosos nos bastidores). O resultado é conflituoso, porém marcante por destoar da média de produções equivalentes. Para Rodat, as numerosas cenas da esposa grávida, esperando por notícias do marido dentro do Kursk, servem apenas para reforçar o heroísmo dele e aumentar a tensão – afinal, a eventual morte dele produziria um impacto emocional ainda maior na trama, por possuir dependentes e pessoas que o amem. Para Vinterberg, a esposa se torna uma personagem essencial, um contraponto à versão oficial, além de uma mulher forte e autônoma.
Outro aspecto conflituoso, igualmente digno de interesse, se encontra no ponto de vista político. A coprodução entre Bélgica, França e Luxemburgo resgata uma Rússia herdeira do pensamento comunista, com tudo o de bom e de ruim que isso poderia corresponder no imaginário popular ocidental. Os grandes vilões da história são os líderes russos, que se negam a aceitar ajuda estrangeira para o resgate dos oficiais. As autoridades orientais, comandadas por um inspirado Max von Sydow (típico caso de um ator que, aos 90 anos de idade, possui plena consciência da força do seu olhar e do uso dos silêncios), acreditam que o sacrifício dos homens manteria a integridade do governo, impedindo o vazamento de segredos sobre a tecnologia do país. Quanto a americanos e europeus, eles pensam apenas em salvar vidas. Este retrato pode ser interpretado tanto como uma defesa da cooperação entre países, ultrapassando divergências ideológicas, quanto como uma enésima representação da bondade das potências coloniais em relação aos pobres países em necessidade.
Diante deste projeto tão ambíguo, é compreensível que atores do porte de Colin Firth, Léa Seydoux e Matthias Schoenaerts tenham se interessado. Mesmo dentro das convenções do filme de sobrevivência, Vinterberg oferece a forte imagem recorrente do filho silencioso, que testemunha as notícias sobre a possível morte do pai; o longo plano do submarino desaparecendo no horizonte, sem falar na notável sequência do resgate de cartuxos dentro do submarino, quando dois homens mergulham numa câmera tomada pela água, e toda forma de som é suspensa de modo a produzir um resultado asfixiante. É possível que a repercussão modesta sobre o filme se deva a esta indefinição: ele pode ser considerado comercial demais para o circuito dito “de arte”, e desafiador demais para os projetos comuns da indústria – a conclusão certamente não oferece a recompensa emocional costumeira. Talvez aí se encontre o interesse deste filme raro, desta Rússia complexa onde todos, no entanto, falam inglês: na busca por um campo intermediário entre a imersão e o distanciamento, entre o prazer da explosão e o humanismo relacionado às vítimas.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
---|---|
Bruno Carmelo | 7 |
Alysson Oliveira | 4 |
MÉDIA | 5.5 |
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