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Sinopse
Diante da crise fronteiriça entre Colômbia e Venezuela, uma jovem indígena vive de pequenos furtos até que se vê no limiar entre a realidade e a ilusão, no qual se perder em caminhos e sonhos misteriosos.
Crítica
Fronteiras são, por definição, lugares limítrofes. São invariavelmente vistos como pontos de decisão, de mudança, de renovação. De um lado está o que vai ficar para trás, do outro o desconhecido e inesperado. Mas o que acontece com quem fica exatamente nesse lugar indefinido, sem ir para frente e nem poder voltar para onde veio? Num primeiro instante, esse parece ser o foco do diretor e roteirista colombiano David David em seu longa de estreia no formato, La Frontera. A obra, selecionada para a mostra competitiva de filmes estrangeiros do 48o Festival de Cinema de Gramado, tem como cenário a divisa entre a Colômbia e a Venezuela, dois países eternamente em crise, com uma população vítima de todas essas trocas de poderes. Mas enquanto os supostos líderes empreendem grandes discussões, como sobrevivem aqueles com o pé no chão, na luta para garantir que chegarão vivos no dia seguinte? A premissa, como se vê, é pertinente. É de se lamentar, portanto, que nem sempre o resultado se mostre perto do âmbito que a discussão merece.
Isso acontece porque David parece não saber muito bem o que fazer com seus personagens. Como protagonista, o espectador é apresentado a uma jovem grávida, Diana (Daylin Vega Moreno), que com o marido e o irmão está acostumada a garantir sua subsistência ao atacar aventureiros em busca de uma travessia ilegal, de um país para outro. Como esses estão em contravenção, como poderiam prestar queixa às autoridades pelo crime que acabam sofrendo no processo? Porém, nem todos reagem de forma pacífica mediante o achaque, e quando a moça se vê sozinha e com uma barriga prestes a dar à luz, precisa encontrar outros meios que permitam garantir sua segurança e a do bebê que irá nascer. Uma tarefa nada fácil, que vê seu grau de dificuldade aumentar em uma região de extrema carência e abandono.
Talvez La Frontera funcionasse como uma análise da condição feminina em um ambiente contrário à sua existência. David David, por sua vez, aponta para vários lados, sem deixar claro o que pretende. Assim, começa a distribuir personagens pela trama, que entram e saem da história sem maiores cuidados ou consequências. O marido é assassinado, um homem ferido aparece, um policial surge para verificar o que está acontecendo, um jogador de bilhar lhe alcança umas moedas como quem não quer nada, ao mesmo tempo em que um oficial, em troca de uma garrafa d’água, ameaça estuprá-la. São figuras de maior ou menor importância, que ameaçam uma relevância que, no entanto, nunca chegam a alcançar. Enquanto isso, Diana segue sozinha e emudecida, calada dentro de si, apenas vislumbrando pela tela da pequena televisão da lanchonete aquilo que parece tão distante, mas que tem como outra ponta desse fio justamente ela e aqueles em igual situação.
A novela na qual ela se vê inserida ganha um pouco de força com a entrada em cena daquela que assume, sem muitas dificuldades, o posição de centro das atenções. Uma mulher desconhecida, mas que em segundos se faz amiga. Ela também queria atravessar a fronteira e teve suas intenções frustradas pela política daqueles com mais poder. Chalis, vivida por Sheila Monterola, é uma figura tão eficaz em monopolizar os olhares que é quase um ruído, visto que seu tom e atuação está sempre um tom acima dos demais do elenco – principalmente Moreno, acuada e mais reagindo do que realmente propondo algo diante de tudo o que lhe acontece. As duas poderiam servir uma como contraponto da outra – a que fala e a que se cala, a que aparece e a que é invisível, a que tem algo pelo que lutar e a que pouco parece se importar com aquilo a seu redor. Mas falta ânimo à narrativa para levar tais intenções adiante. Por isso tudo, o momento clímax, ao invés de atingir a dramaticidade esperada, se mostra tão apagado quanto o resto.
O representar feminino em La Frontera poderia ser justamente aquilo que faria o filme de David David escapar da obviedade e se elevar de uma mesmice onde repousam todas as boas intenções não realizadas. No entanto, falta ao cineasta ouvir aquelas a qual tenta se dirigir. Elas – as mulheres – existem apenas quando os homens estão aos seu lado. Um deles morre, outro desaparece, um terceiro as abandona. E nada é dito, muito menos explicado. Nem mesmo sentido, pelo pouco que dá para perceber. E entre possíveis reações a serem estudadas, cabe apenas a resignação de ir embora, sabe-se lá para onde, ou em busca do que. Tudo o que faria diferença ficou para trás. Se nem o filme demonstra se importar com o que foi deixado e não está nem aí para o que pode vir a acontecer, como a audiência irá se comover a ponto de demonstrar outro tipo de sentimento?
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