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Sinopse

Desde um acidente que sofreu, Luisa vem se privando das suas tarefas favoritas e das pessoas de quem gosta. Até que um dia conhece um estranho sedutor que aos poucos começa a convencê-la a voltar à rotina normal.

Crítica

Oito anos após receber o Grande Prêmio do Júri do Festival de Berlim por El Otro (2007), o cineasta argentino Ariel Rotter retorna, em seu terceiro longa, com um delicado e melancólico drama sobre o enfrentamento da perda. Em La Luz Incidente, a protagonista, Luisa (Erica Rivas), ainda se encontra paralisada nos primeiros estágios do processo de superação da dor causada por uma tragédia dupla: a morte do irmão e do marido em um acidente automobilístico. Buscando sustentação no amor por suas duas filhas gêmeas, ainda muito pequenas, e contando com o incentivo da mãe (Susana Pampín), Luisa insinua os primeiros passos rumo à reconstrução de sua vida ao comparecer à festa de casamento de uma amiga. Lá, ela conhece Ernesto (Marcelo Subiotto), homem galanteador, solteiro e bem-humorado, que de imediato consegue lhe arrancar um sorriso, e se mostra determinado a conquistá-la.

Ambientando o enredo na Argentina da década de 60, Rotter utiliza o contexto histórico e cultural, no que diz respeito à posição da mulher na sociedade desse período, para amplificar os dilemas de Luisa. Pressionada pelas convenções da época – do homem como o único responsável pelo sustento do núcleo familiar e da mulher como sua total dependente – materializadas na vontade da própria mãe, e também na da ex-sogra, Luisa se vê praticamente obrigada a casar outra vez – especialmente após descobrir, através sócio de seu falecido companheiro, que a situação financeira deste não era das mais favoráveis –, e Ernesto parece surgir como o candidato ideal. O peso dessa nova pressão acaba somado ao da tristeza profunda que a acomete, envolvendo-a em uma atmosfera lúgubre da qual não consegue se libertar.

Tal sensação é realçada pelo belo trabalho do diretor de fotografia Guillermo Nieto, cujo registro em preto e branco expõe as sombras lançadas sobre a existência lastimosa de Luisa. A angústia do luto, aos poucos, entra em conflito com outros sentimentos, como o desejo, a atração, ainda que moderada, que sente por Ernesto, bem como a preocupação com a necessidade de garantir o futuro de suas filhas. Essa desorientação transparece em cada olhar e gesto de Rivas na pele da personagem que, mesmo tendo a consciência de que deve lutar para se desgarrar do passado, termina por se render à saudade, tentando manter viva, de alguma forma, a presença do marido – dispensando os corretores de seguro que querem falar sobre o acidente, protelando o enterro do corpo ou ainda o encontro de suas filhas com Ernesto, a luz que, supostamente, poderia iluminar a escuridão de seu pesar.

Essa jornada tortuosa é concebida por Rotter sob um grande rigor formal, ancorado na simetria dos enquadramentos. Os personagens, quase sempre vistos em ambientes fechados, são muitas vezes apresentados através de portas, frestas, janelas e espelhos, em planos fixos que se misturam a outros de movimentos cuidadosos, como aqueles que circulam Luisa e Ernesto dançando ou no centro de um ginásio na cena em que ele relembra seus tempos de campeão juvenil de luta greco-romana. O notável apuro estético valoriza a singeleza de momentos silenciosos carregados de significados, como quando Luisa passa as camisas amassadas do ex-marido, quando arruma os pertences do mesmo sobre a mesa do escritório e a cama, ou ainda quando visita a casa de campo do irmão, passando pelo exato local da tragédia na estrada.

O tom sutil, de ações e reações comedidas, é mantido pelo diretor durante toda a projeção, mesmo nas passagens que representam as viradas dramáticas mais importantes da trama, como aquela em que Luisa finalmente tira sua antiga aliança, ou ao visitar a casa de Ernesto e falar pela primeira vez sobre o acidente, se encaminhando, na sequência, para o quarto do pretendente onde, se postando de costas, abre o zíper de seu vestido. Cena que exala sensibilidade e que, mais uma vez, revela os sentimentos conflituosos da personagem. É bem verdade que essa abordagem de intensidade reduzida por vezes pode ser interpretada como falta de contundência, ou ainda gere um leve distanciamento, não permitindo que o filme se entregue por completo ao seu potencial melodramático. De modo geral, contudo, Rotter consegue dar densidade ao seu material, sabendo manter até o fim o clima de incertezas estabelecido.

Essa sensação de dubiedade recai particularmente sobre a figura de Ernesto que, apressando situações com sua atitude insistente, levanta questionamentos sobre a autenticidade de seu comportamento simpático e afetuoso, camadas que o ator Marcelo Subiotto adiciona ao personagem com extrema competência. Aflita com tais dúvidas, Luisa vê Ernesto se transformar no corpo estranho que invade sua foto familiar, querendo assumir suas filhas, dar-lhes um novo sobrenome. Porém, como a própria afirma, as garotas já têm um pai, um sobrenome, uma família, e nem mesmo a morte apagará esses fatos. É quando, durante uma nova dança com Ernesto, Luisa parece compreender e aceitar a impossibilidade de esquecer completamente seu passado, mesmo que as imagens dessas memórias comecem cada vez mais a perder a nitidez, ficando turvas como a imagem da protagonista brincando com as duas garotas no belíssimo plano-sequência que se afasta lentamente pelo corredor da casa e encerra La Luz Incidente.

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é formado em Publicidade e Propaganda pelo Mackenzie – SP. Escreve sobre cinema no blog Olhares em Película (olharesempelicula.wordpress.com) e para o site Cult Cultura (cultcultura.com.br).
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